segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

clarice foi trolada

No dia 11 de junho de 2010, comprei pra minha irmã caçula esse livro da Clarice: "crônicas para jovens - de amor e amizade" que ficou esquecido aqui em casa. Do nada o vi dando sopa por não sei onde e passei a lê-lo antes de dormir. dois, três contos por dia. esse foi um dos condicionamentos que eu adotei pra amolecer o coração e drenar o veneno enraizado.

O primeiro conto é café com leite e você até concorda com a zoação dela no facebook, mas se você insistir em conhecer melhor a escritora... você vai torcer muito pra que um dia ela seja sua amiga sabe? dessas de chamar em casa pra comer bolo e sair pros barzinhos.

Procurando coisas sobre ela na internet, encontrei um "depoimento" de um jovem no fb:


Publicações recentes de outros usuários


  • Não Entendo Essas garotas Que colocam Ficam a semana toda Postando
    Coisas de amor,mimi, Clarisse Lispector e Etc,
    E No Final de Semana Chapa o Globo,fica muito louca,Muito Facil,Dorme Com
    Varios malucos,Beija,Chupa,rebola,senta,Fica mais pra Capetinha,e Querem um parceiro Compreensivo e amoroso e que entenda a rotina dela,kkkk,para,para,kk


Caro ser humano que lê esse blog, você concorda que uma coisa exclui a outra? curioso...

Veja bem, não adianta você assistir as aulas de gênero com a Miriam Grossi, ir à marcha das vadias, passar aquele batom vermelhão, tirar a blusa, gritar "a buceta é da mulher e ela dá pra quem quiser", subir no carro de som e recitar aquele poema lindo sobre a "vagina insurgente", e chegar em casa e concordar com esse perfil das redes sociais. 

sem puxação de saco, porque afinal, as amizades não são assim, vou compartilhar um conto da minha amiga clarice. É um tiquinho longo e eu não o encontrei digitado na internet (ok, mentira) então encare como um presente e leia até o final. obrigada.





uma história de tanto amor

Era uma vez uma menina que observava tanto as galinhas que lhes conhecia a alma e os anseios íntimos. A galinha é ansiosa, enquanto o galo tem angústia quase humana: falta-lhe um amor verdadeiro naquele seu harém, e ainda mais tem que vigiar a noite toda para não perder a primeira das mais longíquas claridades e cantar o mais sonoro possível. É o seu dever e a sua arte. Voltando às galinhas, a menina possuía duas só dela. Uma se chamava Pedrina e a outra Petronilha.
Quando a menina achava que uma delas estava doente do fígado, ela cheirava embaixo das asas delas, com uma simplicidade de enfermeira, o que considerava ser o sintoma máximo de doenças, pois o cheiro de galinha viva não é de se brincar. Então pedia um remédio a uma tia. E a tia : "Você não tem coisa nenhuma no fígado". Então, com a intimidade que tinha com essa tia eleita, explicou-lhe para quem era o remédio. A menina achou de bom alvitre dá-lo tanto a Pedrina quanto a Petronilha para evitar contágios misteriosos. Era quase inútil dar o remédio porque Pedrina e Petronilha continuavam a passar o dia ciscando o chão e comendo porcarias que faziam mal ao fígado. E o cheiro debaixo das asas era aquela morrinha mesmo. Não lhe ocorreu dar um desodorante porque nas Minas Gerais onde o grupo vivia não eram usados assim como não se usavam roupas íntimas de nylon e sim de cambraia. A tia continuava a lhe dar o remédio, um líquido escuro que a menina desconfiava ser água com uns pingos de café - e vinha o inferno de tentar abrir o bico das galinhas para administrar-lhes o que as curaria de serem galinhas. A menina ainda não tinha entendido que os homens não podem ser curados de serem homens e as galinhas de serem galinhas: tanto o homem como a galinha têm misérias e grandeza (a da galinha é a de pôr um ovo branco de forma perfeita) inerentes à própria espécie. A menina morava no campo e não havia farmácia perto para ela consultar.
Outro inferno de dificuldade era quando a menina achava Pedrina e Petronilha magras debaixo das penas arrepiadas, apesar de comerem o dia inteiro. A menina não entendera que engordá-las seria apressar-lhes um destino na mesa. E recomeçava o trabalho mais difícil: o de abrir-lhes o bico. A menina tornou-se grande conhecedora intuitiva de galinhas naquele imenso quintal das Minas Gerais. E quando cresceu ficou surpresa ao saber que na gíria o termo galinha tinha outra acepção. Sem notar a seriedade cômica que a coisa toda tomava:
- Mas é o galo, que é um nervoso, é quem quer! Elas não fazem nada demais! e é tão rápido que mal se vê! O galo é quem fica procurando amar uma e não consegue!
Um dia a família resolveu levar a menina para passar o dia na casa de um parente, bem longe de casa. E quando voltou, já não existia aquela que em vida fora Petronilha. Sua tia informou:
- Nós comemos Petronilha.
A menina era uma criatura de grande capacidade de amar: uma galinha não corresponde ao amor que se lhe dá e no entanto a menina continuava a amá-la sem esperar reciprocidade. Quando soube o que acontecera com Petronilha passou a odiar todo o mundo da casa, menos sua mãe que não gostava de comer galinha e os empregados que comeram carne de vaca ou de boi. O seu pai, então, ela mal conseguiu olhar: era ele quem mais gostava de comer galinha. Sua mãe percebeu tudo e explicou-lhe:
- Quando a gente come bichos, os bichos ficam mais parecidos com a gente, estando assim dentro de nós. Daqui de casa só nós duas é que não temos Petronilha dentro de nós. É uma pena.
Pedrina, secretamente a preferida da menina, morreu de morte morrida mesmo, pois sempre fora um ente frágil. A menina, ao ver Pedrina tremendo num quintal ardente de sol, embrulhou-a num pano escuro e depois de bem embrulhadinha botou-a em cima daqueles grandes fogões de tijolos das fazendas das minas-gerais. Todos lhe avisaram que estava apressando a morte de Pedrina, mas a menina era obstinada e pôs mesmo Pedrina toda enrolada em cima dos tijolos quentes. Quando na manhã do dia seguinte Pedrina amanheceu dura de tão morta, a menina só então, entre lágrimas intermináveis, se convenceu de que apressara a morte do ser querido.
Um pouco maiorzinha, a menina teve uma galinha chamada Eponina.
O amor por Eponina: dessa vez era um amor mais realista e não romântico; era o amor de quem já sofreu por amor. E quando chegou a vez de Eponina ser comida, a menina não apenas soube como achou que era o destino fatal de quem nascia galinha. As galinhas pareciam ter uma pré-ciência do próprio destino e não aprendiam a amar os donos nem o galo. Uma galinha é sozinha no mundo.
Mas a menina não esquecera o que sua mãe dissera a respeito de comer bichos amados: comeu Eponina mais do que todo o resto da família, comeu sem fome, mas com um prazer quase físico porque sabia agora que assim Eponina se incorporaria nela e se tornaria mais sua do que em vida. Tinham feito Eponina ao molho pardo. De modo que a menina, num ritual pagão que lhe foi transmitido de corpo a corpo através dos séculos, comeu-lhe a carne e bebeu-lhe o sangue. Nessa refeição tinha ciúmes de quem também comia Eponina. A menina era um ser feito para amar até que se tornou moça e havia os homens.

LISPECTOR, Clarice. uma história de tanto amor. In: Crônicas para jovens: de amor e amizade. Rio de Janeiro: Rocco Jovens Leitores, 2010 - Primeira edição. p. 69-73.

Um comentário:

  1. Na minha singela opinião 90% dos homens não aceitam por completo a diversidade no universo feminino, mas, os 10% que sabem apreciar ou os 5% vivem melhor...As vezes acho estranho mulheres que para se auto afirmarem querem agir como homens no que tem de pior...Para não ficar que nem livro do Augusto Cury...Já dizia o Leoni: "Garotos como eu sempre tão espertos, perto de uma mulher são só garotos..."

    ResponderExcluir

textos relacionados

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...