terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Descobrindo os prazeres do vinil



- Será que esses biólogos ainda levam artistas pra fazer a pintura das florestinhas e bichinhos quando fazem trabalho de campo? tipo os amiguinhos de Humboldt?
- Claro que não! Se for um biólogo hipster, no máximo, leva uma Halma flex.




Muito bem, vamos aprender juntos sobre o que é o Hipster. Segundo uma amiga etnóloga, o hipster é quem "evoluiu" do hippie e está muito satisfeito com a "evolução" hahahahahah. Fazendo uma pesquisa preguiçosa no google, morri de rir das definições que encontrei, mas tô sem saco de escrever de maneira dicionaresca . Em poucas palavras, trata-se de uma maneira de se expressar no mundo através de um saudosismo recorrente, digamos assim. rs Isso inclui aversão à smartphone ou whatsapp

Os lumberjack ou lumbersexual, segundo fontes seguríssimas, entram nesta categoria.




É um mix de festa junina, lenhador, grunge, hells angels fit, nerso da capitinga gostosão, roupa do vovô, e, white... ao que parece. 

Aproveitando a onda, eu tô com uma coleção de vinil linda-maravilhosa neste inverno. Não vou mentir, sempre achei coisa de gente poser old school [hipster]. MAS, como tudo na vida muda, tenho percebido que o vinil permite a gente experimentar a música de uma forma diferente. 

Além daquele barulhinho maravilhoso de matinho queimando toda vez que começa alguma musiquinha, os saudosos LP's [long play] nos permitem ouvir um album todinho de modo que mergulhamos na vibe do artista que elaborou uma sequencia especialmente pra gente. E, diferente do meu amado youtube [não dá pra cuspir no prato], você não precisa se preocupar com as propagandas irritantes ou qual a outra música que vai escolher... acabou a ansiedade! Esse é o ponto! 

O LP foi feito pra você ouvir inteiro, como uma comidinha que  você come inteira, sem guardar pra amanhã. Essa referência foi péssima, pois é ótimo quando sobra pra guardar pra amanhã, obviamente :3

Ainda que seja a empolgação da novidade, sinto que o som do LP preenche a casa de um jeito diferente. É uma mini festinha diária, um evento, quando coloco qualquer album pra ouvir. Tô amando! Além de tudo, ele ainda pede pra trocar de lado... ai, ai, ai, fofura total!

Ahhh o fetiche da mercadoria! hahahahahaah

é lindo

<3

to cry you a song, jethro tull 







domingo, 4 de dezembro de 2016

movimento na pink line

Dia desses estava sentada em um dos vagões da pink line e percebi uma dança, bem ao meu lado.

Me pareceu dois conhecidos que não se viam algum tempo. Um deles sentava ao meu lado e o outro à sua frente, de modo que a conversa que já tinha sido iniciada antes deu chegar, se transformava num espetáculo bem diante da minha localização privilegiada, escolhida sem muito critério.

Sem querer, e depois querendo muito, reparei nos movimentos de braços, pernas e depois do corpo inteiro que ambos realizavam de maneira sincronizada. Enquanto um falava em diversos tons o outro ria, mexia as mãos levantava e baixava o corpo, a cabeça ia junto com a fala e o riso. Eram movimentos que nunca se repetiam.

Estava diante de uma dança!

A dança consistia em linguagem, em comunicação, isso era a base da afinidade musical que a voz de ambos, cheia de alegria e entusiasmo pela performance do outro, tinha. Não parecia amor, paixão ou amizade, é difícil encontrar uma palavra... talvez movimento. Sem muitas regras e com muita fluidez, isso era afinidade.

Afinidade me pareceu bem estar, relaxamento, alegria... quando encontramos nossos afins. Uma maneira de ser, falar, escutar e sentir em silêncio, na medida que se expressa com o corpo e a voz com este outro... quanto mistério!

Era um homem e uma mulher, arrisco que teriam sessenta ou setenta anos. Uma análise apressada poderia indicar que estavam indo em direção ao Cottage Grove. Meu olhar era atento, persistente... porém furtivo, não podia ser descoberta. Meu encantamento poderia parecer rude.

Fiquei hipnotizada por aqueles braços e pernas gigantes que mal cabiam no banquinho da pink line. Continuavam se movimentando freneticamente, ainda que outros corpos passassem no pequeno corredor que os dividia. Ambos estavam próximos às portas, podiam sair a qualquer momento... juntos ou separados: isso não era o mais importante. Fiquei tão absorvida pelo movimento das vozes e corpos alheios que levei um susto quando o ruído congelado, que tem como sina se repetir infinitas vezes naqueles vagões, disse alto e feroz: Damen.

Desci.

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Disseram que eu voltei americanizada*

* Não, eu não voltei para o Brazil! :D

Carmen
maravilhosa-diva-quero-wanna be-forever-poderosa


ai que música delicinha! 


E disseram que eu voltei americanizada
Com o "burro" do dinheiro, que estou muito rica
Que não suporto mais o breque de um pandeiro
E fico arrepiada ouvindo uma cuíca

Disseram que com as mãos estou preocupada
E corre por aí que houve um certo zum-zum
Que já não tenho molho, ritmo, nem nada
E dos balangandãs já nem existe mais nenhum

Mas pra cima de mim, pra que tanto veneno?
Eu posso lá ficar americanizada?
Eu que nasci com samba e vivo no sereno
Topando a noite inteira a velha batucada

Nas rodas de malandro, minhas preferidas
Eu digo é mesmo "eu te amo" e nunca "I love you"
Enquanto houver Brasil... na hora das comidas
Eu sou do camarão ensopadinho com chuchu!

Brincando com identidades ao infinito e além! 
haahahhaahha

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Los dulces clandestinos

- Vocês já sentiram aquele cheirinho de bolo no caminho da pink line?
- Já, é pra disfarçar o preparo da metanfetamina [C10H15N]. Já viu Breaking Bad?  


Jimmy renda-se, ouça alto, essa música é foda.
[Tomzé sendo gênio, em 72 também. rs]

Acordei cedo e esperei o relógio marcar 8:00. Muito bem, na vida real, acordei sabe deus que horas. Comi rápido e saí já meio atrasada, faltavam 8 minutos para o 60 blue island passar. Decidi que não contaria à ninguém que iria ao local do crime, na morada da fumacinha da perdição. 


Segundo informações seguríssimas, o [C10H15N] é muito potente e altamente viciante, causa euforia, aumento do estado de alerta, da auto-estima, do apetite sexual e intensificação de emoções. Exatamente a descrição dos efeitos de um brigadeiro no sangue de seres humanos com o paladar altamente apurado.

Tentei fazer todo o trajeto em menos de oito minutos, mas não foi possível. É muito pano pra colocar no corpinho até sair de casa! Aff!!! 

A arte da bisbilhotagem é algo que merece respeito. Depois de me cobrir com todos as camadas necessárias pra não morrer, segui em direção à portinha branca. Eu tava pronta pro crime: a cada passo que dava, tinha a convicção que naquela casinha eles compartilhavam do mesmo amor delito que o meu, da mesma contravenção, do mesmo ato delinquente,  todas as vezes que passava na frente do alley.  Obstinada e cega de certeza, puxei a porta e entrei esbaforida de emoção em conhecer os tais criminosos, meus semelhantes.

- Hola, hay dulces?
- Sí! ¿qué quieres?
- Todos! :D 

- wait! I don't have cash! : ~

[...]

- No se preocupe, voy a tomar uno de cada uno para usted.

Os doces criminosos são: Marina, Cocada, Dulce de camote, Alfajor, Dulce de tamarindo:





Vou especificar cada uma deles.

O Dulce de Camote é uma espécie de batata rosada que nunca tinha visto. Você as descasca e coloca para ferver na água com açúcar, canela e outras especiarias, vai depender de quem as faz. Ao morder o Camote, percebi que tem uma casquinha caramelizada que contrasta com o a textura macia da batata cozida. A parte interior é adocicada de forma suave, com muitos ingredientes combinadinhos no cozimento, o aroma é incrível. Elas tem tamanhos assimétricos e o conjunto fica disposto como pedras preciosas nas prateleiras. No momento que as observei, as janelas sujas e mal feitas que as conecta com o alley, deixavam entrar uma luz bem bonita sobre elas, foi lindo de ver.

O Alfajor tem como ingredientes principais açúcar, coco e uma pigmentação forte na cabeleira. Um rebelde! Cria uma atmosfera divertida em torno do docinho sabe? Fiquei imaginando em quais ocasiões eram confeccionados... quantas alegrias teriam ocasionado aos olhos atentos para uma bela surpresa desse rapazinho vestido de branco e cabelos rosados, pronto pra brincar. Certamente é o palhacinho da festa.

A Marina... ai, ai, ai... é próxima do doce-de-leite e dissolve na boca assim que você dá uma mordidinha... aprovada com louvor e direito a grito de torcida alucinada! hahahahaha. Além de deliciosa, ela tem carinha de festa também! Por vir toda marcadinha com um desenho espiralado, imaginei que ela tenha sido uma cobrinha antes de ter uma aparência de biscoito. A amêndoa faz a coroação da nossa rainha. Que belezinha! Nem precisava estar tão elegante assim, é uma vontade de beleza que nem sei explicar. <3

A Cocada tem formato de brigadeiro e é bem mais macia das que estou acostumada a comer, essa foi a favorita da Ana. Por sorte e muita agilidade, consegui tirar um pedaço antes que ela devorasse o docinho inteiro. A cocadinha redonda fica durinha por fora, provavelmente é posta pra assar porque a bundinha dela vem meio escurinha e ela tem uma barriga fofinha de quem cresceu com o calor, e um leve dourado na parte de cima. O miolo é macio e foi uma delícia tentar adivinhar o que tinha ali pra deixa-la do jeito que é.

O Dulce de tamarindo merece um tratado só pra ele! Ele é um camaleão na boca! Vem com uma carinha inocente, embrulhadinho no papel celofane e disposto numa colher, como se fosse uma lembrancinha de aniversário de criança. No entanto, suspeitei que tinha acidez e açúcar envolvido desde o princípio. Sua apresentação pessoal me lembrou muito o doce de cupuaçu. Peguei uma faca e tentei arrancar um pedaço pra provar. Eis o relato: Doce, ácido, tamarindo, azedo, ácido, azedo, lágrima nos olhos, vou morrer, adocicou, ardeu, ARDEU, adocicou de novo. fim! Que montanha russa! hahaahahah

Um pregador de peças, esse é o Dulce de Tamarindo. Certeza que minha mãe vai amar!

Segue o elenco quiebra-ley:

Dulce de Camote

Alfajor

Marina

Cocada

Dulce de tamarindo

O café da minha avó Ana, era um dos mais doces do mundo, se alguém a questionasse, ela dizia alto e em bom tom: "de amargo já basta a vida". Eu nunca gostei de café, mas nunca esqueci essas palavras dela. De alguma maneira, ela dizia que o doce é um agradinho na alma, vai bem mais fundo que uma simples prazer nas papilas gustativas.

Em que planeta vivemos, no qual um punhado de cretinos faz com que essas pessoas amáveis, gentis, generosas, com um conhecimento sofisticadíssimo sobre doces, numa relação primorosa com os ingredientes, sejam tratados literalmente como criminosos? Faz parte do plano de manter essa farsa de fronteira e nação?

Não há teoria economicista neo caralho a quatro que fundamente isso! É tão revoltante, baixo, inescrupuloso, inaceitável, injustificável, odioso, asqueroso.

Um aviso aos white collar: água, coco, tamarindo, açúcar, manteiga, galinha, canela, ovos, vaca, leite, batata, macaxeira, babaçu, castanha, açaí, bacaba, buriti, tambaqui, matrinxã, cará roxo, tucupi, camarão, costelinha... isso não vem em saco de cimento, não dá em prédio de concreto, nem em gasoduto, nem hidrelétrica! seus pulhas!

Mastiguem pedra, comam carvão, barro!

É isso que está reservado à vocês seus merdas!


Protesto na State Street, Chicago, 12 de novembro de 2016.


Motivo do protesto: "A construção deste oleoduto de 1.600 km e que atravessa quatro estados está a cargo de uma companhia texana e pretende transportar o petróleo até Illinois, destruindo os mananciais de água de muitas reservas de nativos americanos, além de destruir zonas consideradas sagradas há gerações".

terça-feira, 15 de novembro de 2016

"Seeing Like a State": Paul Strand

Olha a belezinha que chegou no meu e-mail:

"While working as Director of the Mexican government's Oficina de Fotografía y Cinematografía in 1933-34, world-leading modernist photographer Paul Strand was given the charge “to demonstrate in an objective manner the possibility of a social regimen whose justice is rooted in all men working and all equally obtaining the satisfaction of their needs.” This directive would radically transform his art and aims up until his death in 1976 and set it on a course running opposite to the emerging neoliberal consensus forged at the same time and best summed up by Margaret Thatcher’s latter-day dictum “There’s no such thing as society.” At the heart of Strand's enterprise was an effort to see like such a social regimen, and he worked to do so on behalf of many including Nkrumah’s Ghana, Nasser’s Egypt, the PCI’s Italy, and the Senate La Follette Committee’s United States. This talk will explore what it is exactly that one sees in this statist mode and how it differs from the Thatcherian form of seeing that, in the main, we have all come to adopt as our own."

O filho da confeiteira

Confeiteiras são uma espécie de estrelas do rock.

Na verdade, justiça seja feita: a cozinha nunca foi um lugar especial pra mim, até conhecer o filho da confeiteira.

- trouxe?
- não! tu só gostas de mim porque trago bolo pra ti.
- que drama! me dá logo... vai?

Vinha como quadradinho enrolado no papel alumínio. O recheio de baba de moça ficava intacto, fazendo a divisão entre os partes mais fofinhas de leite e chocolate. O grande sofrimento era a cobertura, grudava inteiro no papel e eu tinha que lamber todo pra não deixar nenhuma castanha ou creminho pra trás.

Ele tinha nojo de tudo. Enquanto eu me esbaldava no R.U. comendo barata frita e chinelão transgênico feito de resto de bicho, ele tinha ânsia de vômito com qualquer nervinho que aparecia no picadinho de "carne". Cansou de ter ódio todas as vezes que eu dizia que ia comer no R.U. pra economizar. Bufando, pegava um prato e se servia de batata cozida e farinha: só.  Era só o que o príncipe conseguiria comer. Eu me espocava de rir, óbvio.

- Diz aí uma comida que tu não gosta.
- Nada, eu gosto de tudo, como tudo. Até pedra temperada.
- Duvido.
- Tá, talvez pimentão... credo, pimentão!
- Tu precisa experimentar o pimentão recheado da minha mãe.
- Hoje?
- :P

E foi aí que eu conheci a cozinha da Artemis. A cozinha era toda revestida de cerâmica branca. Da casa inteira, era nítido que tinha sido o único cômodo reformado. Havia várias prateleiras encostadas na parede contrária à geladeira, fogão e armário, com uns 20 bolos de castanha com baba de moça, e uns cinco de chocolate.

Entrei.

A cozinha estava quentinha do forno ligado e o cheiro, que eu já sentia lá de fora, era de desmaiar de tão bom. Me senti um cachorro no galinheiro.

Eu quase morri quando descobri que não poderia comer nenhum. Estavam todos encomendados. Tinham hora e data marcada pra fazer a felicidade alheia. No centro da mesa, havia  um copo de liquidificador e um prato de carne assada, coberto com plástico filme. Mais no canto, vi um caderninho todo rabiscado com espiral de arame e uma bic enroscada nele, era lá que faziam as anotações dos pedidos.

A mesa era de madeira, meio improvisada, e junto das outras coisas, ficava um bacia cheinha de castanha picada.  Imaginei que tinham sido torradas com um pouco de açúcar, era a cobertura das belezinhas. Pensei: os bolos são bonitos porque são roots. Apesar da moda irritante, Artemis não trabalhava com pasta americana.

Olhei para o fundo da cozinha e vi duas sacas enormes, eram as castanhas frescas.

Todos usavam touca, menos eu. Sentei em um dos bancos da mesa, fiquei um pouco constrangida e prendi o cabelo discretamente com uma caneta que peguei na bolsa. Sem saber se era suficiente ou se poderia ficar ali, tentei ser simpática e perguntei se queriam ajuda. A única coisa que eu sabia, era que não sairia daquela cozinha por nada.

- Tu queres um pedaço de bolo? O pimentão vai demorar. 

*

Em um dos meus aniversários, estava um bom tempo sem falar com a minha mãe. Eu nem apareci em casa. Artemis fez um bolo redondinho pra mim, era inteiro de chocolate. Em um dos aniversários do Rodrigo, me chamou de filha e disse umas coisas bem bonitas pra minha mãe, num contexto que claramente não cabia um mini discurso. Não sei o que passou na cabeça dela, pois nunca havia mencionado da minha treta com a dona Rosa, mas desconfiei do que havia passado na cabeça da minha mãe quando ouviu a Artemis.

Olhos destreinados poderiam ter a impressão equivocada sobre ela. É de poucos amigos, enxuta nas palavras, possui um senso forte de justiça e sofre de sincericídio agudo. Tem uma devoção pelos filhos, pais e irmãos que impressiona. Parece que não vive para si, vive para o outro. Rodrigo tinha o prazer de fazê-la rir a todo instante e enchê-la de orgulho, era seu braço direito, era o Esteban de Manuela. Cozinha toda hora, cozinha como se não houvesse amanhã, e não há especialista que se sobreponha ao conhecimento que essa mulher tem sobre os alimentos. É como se arrancasse um pedacinho de si e colocasse em cada prato que faz.

Hoje me vejo uma apaixonada por confeiteiras, cozinheiras. As mais ranzinzas são as melhores, me parece que quanto maior a dor, mais saboroso o prato... que grande mistério esse.

*

No aniversário da Marília, uma das sobreviventes à mim, ela comemorou com o bolo mais famoso da cidade.

Depois dos parabéns e de todo o frisson pós discurso, esperei a sala esvaziar e fiquei arrudiando a mesa... enrolei o máximo que pude, fui no brigadeiro primeiro. Percebi que ninguém tinha tirado minha parte favorita, peguei a faca e cortei um pedacinho bem pequenininho, aquele cantinho do quadrado, o que tem mais cobertura e castanha. Senti falta do papel alumínio grudando e comi. Desceu que nem pedra na minha garganta.

*

Dia 28 de outubro fez quatro anos e eu estava aqui.
Parece que faz tanto tempo e parece que foi ontem.

Ele era louco pra conhecer Nova Iorque e levar a Bruna na Disney. Sempre achei ridículo e vivia falando que Estados Unidos é coisa de gente brega e consumista.

Aposto que ele adoraria estar perambulando por aqui, que nem eu.

Antes de viajar, fui assistir uma peça de teatro maravilhosa indicada pelo Luiz Davi, se chama "Deitar o sal". As vezes a gente esquece como o ser humano pode ser incrível, que espetáculo!

Elas estavam lá, grudadinhas. Bruna de cabelo curtinho, Artemis com toda a dor do mundo.

Respirei fundo, preparei meu melhor sorriso, meu melhor abraço.

*

Nem sei como sobrevivi, mas sobrevivi.


quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Supostamente um beijinho no Alley

Quase todos os dias eu passo por essa rua quando volto pra casa.

A primeira vez que passei, à noite, senti cheiro de leite recém fervido... imaginei alguém tomando uma canequinha antes de dormir... olhei de onde vinha... não achei uma janela, só um corredor esquisito onde costumam colocar o lixo e os postes/fios de luz... fica tudo escondido numa espécie de beco que tem nome de "alley". Era de lá que saía o vaporzinho do desejo e algumas especiarias, certeza. Quis fazer o mesmo, mas lembrei do meu nariz escorrendo e pensei que o chá da mangarataia teria um efeito melhor na manhã seguinte. Assim o fiz.

Na semana que passou, senti outros ingredientes vindo da direção do tal do alley, fiquei tentando imaginar o que era, parecia baunilha, açúcar, manteiga... ovo? talvez ovo... na certa era recheio de alguma coisa, talvez de bolo, ou daquelas bombas de padaria sempre muito mal feitas... Procurei janela, porta... seria uma padaria? não é possível! sem placa? Será que é escondida? Talvez não tenha licença pra funcionar... vai saber... passei e fiquei pirando no cheiro de novo... era quase sólido... de tão bom. Me senti compartilhando um segredo... fui dormir com a certeza que havia descoberto algo.

Hoje, quando saí da pink line, fiquei esperando a minha surpresinha diária... aquele docinho vaporizado estaria lá e hoje não daria trégua: you're mine! pensei. Chutei que poderia ser uma casa que vende bolos. Não era possível que aquela nuvenzinha de amor teria um horário tão sincronizado com o meu.

Era beijinho, tinha todos os elementos pra ser... dei três passos pra frente e voltei... tinha uma porta semi aberta pela primeira vez, a de madeira não estava lá, apesar de uma outra de tela. Meti a cara. Parecia uma espécie de depósito, armazém, não era uma casa-casa sabe? tinha umas prateleiras com várias coisas que eu não conseguia enxergar com a pouca luz... Aproveitei a pouca coragem que ainda restava e falei:

- Hola! Buenas noches! 

Apareceu um senhorzinho, de camisa azul e boné branco, parecia estar trabalhando até aquela hora... Antes dele me cumprimentar ou me botar pra fora pelo abuso, eu completei com o meu portunhol venezuelano: es una panadería?

Ele sorriu generosamente com os poucos dentes que tinha, balançou a cabeça dizendo que não:

- As ocho, mañana

Nem acreditei no suspense, ri por dentro.
It's a date! pensei.
Genial!  
E agora? esperar até amanhã pra saber o que era.
No entanto, o desespero curiosístico tomou conta de mim.
Antes de me despedir, dei um tiro a queima roupa: o que abre a las ocho?

- Hacemos dulces.
- Gracias señor!

Mas afinal, o que abre a las ocho? Eu sei lá o que abre a las ocho! A minha pergunta foi sutilmente ignorada por quem não se permitiu ser vítima da minha classificação arbitrária. Bem feito pra mim! 

Só sei que uma lágrima caiu nesse instante. Amanhã saberemos quem são essas belezinhas  <3



Foto: A parte iluminada, ou melhor, de onde sai a luz que atravessa a calçada até a rua, é o alley. O meu objeto de curiosidade e desejo está indicado discretamente com essa plaquinha azul, ao fundo. Vocês não conseguem ver, mas é uma placa de telefone. Acabei de perceber que dá pra ver a porta aberta! haha :D ai que delícia!!! las ocho mañana :3 vou chorar! hahahahahh



thiago pethit - nightwalker






quarta-feira, 9 de novembro de 2016

I have a nightmare*...

Martin Luther King, Jr. I have a dream* speech

No dia 08 de novembro de 2016, durante minha aula de inglês, houve a votação presidencial dos Estados Unidos. A disputa foi entre Hillary Clinton e Donald Trump. Professora Helena entregou um jornal impresso News for you, para cada um de nós, os alunos. A manchete principal era Clinton vs. Trump: Where They Stand on the Issues

O plano de aula era que discutíssemos sobre o conteúdo após a leitura. A descrição dos candidatos era a seguinte:

Clinton has been working in politics most of her adult life. She was first lady of Arkansas when her husband was governor of the state. She was first lady of the U.S. when Bill Clinton served as a U.S. senator from New York. Her most recent role was as the nation's secretary of state. That was during President Barack Obama's first term. 

Trump is not a politician. He is a New York businessman. He owns hotels, clubs, and buildings around the word. He also was on a TV reality show. He says business skills will make our government work better. He says they also will help him  work with world leaders. 

O texto do jornal seguia com os seguintes tópicos: The U.S. and the World; Trade; The Economy; Health Care; Education




Recentemente, um time de basebol, esporte muito popular entre os americanos do norte, ganhou um campeonato "mundial" após 108 anos de amargura. O Chicago Cubs venceu o World Series. Na época do Haloween, foi impossível sair de casa porque a cidade simplesmente parou durante a partida final. 

Agora vamos brincar do jogo dos sete erros. O significado de World Series, ao pé da letra, é "Séries Mundiais" certo? certo. Conversando com alguns nativos, me explicaram que o jogo é disputado entre os campeões da Liga Nacional e da Liga Americana. 

De acordo com o meu jogo de tabuleiro favorito, War: o jogo da estratégia, aprendi que o mundo está geopoliticamente dividido em seis continentes: Oceania, África, Ásia, América do Sul, América do Norte e Europa, com vários países em cada um deles. Alguns classificam o mundo em sete continentes [Antártida]. Pra encerrar essa discussão, uma pessoa sensata escreveu que "não existe uma única forma de fixar o número de continentes e depende de cada área cultural determinar se duas grandes massas de terra unidas formam um ou dois continentes". 

Um saudoso beijinho na minha comadre Mara que amava chacoalhar a porra do
mundo quando estava perdendo! hahaahahah quem nunca?

War da minha infância

Certo dia, papai apareceu com esse jogo para aquele bando de meninas ávidas por novidade e uma boa arenga. Inicialmente, eles [papai e mamãe] leram o manual, explicaram pra mim e Lissinha [Julinha nem era nascida] e jogamos a primeira partida juntos. Havia também, umas cartinhas que você tirava e lia para que os seus objetivos fossem alcançados até o final da partida. Parecia um joguinho legal e inofensivo...  

Na manhã seguinte, eu e minha irmã espalhamos a novidade para nossos tios, tias, primas e primos. Um bando de marginais manauras que iam conquistar o mundo estava formado: Mara, Fábio, Bia, Silvis, Vivi, Waguinho, Su, Lissinha, Ítalo e eu. Queríamos sangue, ódio, arenga, baixaria. E assim o foi. Na primeira rodada, descobri que o mais estratégico era conquistar a Oceania. Era pequeno, discreto, e uma fonte inesgotável de soldados vermelhos. A Austrália ficava isolada e as duas ilhotas me permitiam ter um início estratégico pra dominar a Ásia inteira... que triunfo era esse continente amarelinho...

Os jogos começavam. Os dois dados eram lançados:

Primeira rodada: seis, seis! pensamento: vou ganhar essa caralhada toda e vou destruir o exército verde. 
Bando: sua cagada! vai já perder, nem canta vitória.

Segunda rodada: seis, cinco! pensamento: tô indo bem, se eu conquistar a América do Sul serão duas fontes de exércitos vermelhos.  
Bando: silêncio.

Terceira rodada: um, dois! pensamento: puta que pariu! FUDEU!  
Bando: KAKAKAKAKAKAKKAKA [hienas] parece que o jogo virou não é mesmo? Tem alguém com medinho aqui? [risada coletiva e estrondosa] VAI PERDER! VAI PERDER! VAI PERDER!

Eu: NÃO VOU PERDER MERDA NENHUMA, E SE EU PERDER NINGUÉM MAIS JOGA [150 decibéis]. 
Bando: VAI PERDER! VAI PERDER! VAI PERDER! [220 decibéis]
Minha irmã: VAI TODO MUNDO JOGAR SIM, PORQUE O JOGO NÃO É TEU! [250 decibéis]
Bando: CHORA! CHORA! CHORA! CHORA! CHORA! [350 decibéis]

Eu: silêncio, sangue nos olhos, fogo nas ventas, uma lágrima de sangue escorreu: ninguém viu.

Quarta rodada: um, um! 
Bando: A BANANA PERDEU!!!!! [RISADA COLETIVA E HISTÉRICA] CHORA! CHORA! CHORA! CHORA! CHORA! [400 decibéis]
Eu: Tudo bem gente, é normal perder, isso é um jogo  [23 decibéis]. Levantei com a delicadeza de uma princesa que caga bolinhas de brigadeiro. Puxei o tabuleiro, todos os soldados caíram e saí correndo, chorando e gritando:

EU ODEIO VOCÊS! NUNCA MAIS BRINCO COM VOCÊS, ESSE JOGO É UMA BOSTA, ODEIO, ODEIO, ODEIO!!!! VOCÊS NÃO PRESTAM, TENHO NOJO DE VOCÊS!!!! [450 decibéis]

Depois de assistir Glub glub, O chaves e o Mundo de Beakman, por umas duas horas na casa da vovó Ana [longe do território sanguinário], voltava onde as hienas estavam e dizia com a fineza de um bode: QUERO BRINCAR, AFASTA PRA EU SENTAR AÍ AGORA! [250 decibéis] 

Glub, Glub

Bando: Tá preparada pra perder de novo banana arengueira? 
Todos riam, inclusive eu: Até parece que eu vou perder pra vocês!
Bando: Espera essa rodada terminar que tu tá muito abusada, aprende com quem sabe.

Simples <3

Muitas amizades são desfeitas durante um tradicional jogo de WAR, porém o importante é que se reate a amizade depois do jogo. Muitas alianças também são criadas durante o jogo, buscando benefício para os próprios aliançados, mas logo depois são desfeitas (sem aviso prévio) normalmente pelo que está mais forte o que gera novamente a "desfazedura" das amizades." 

O terremoto é a última estratégia utilizada por jogadores que já não se veem mais em condições de vencer, ou quando se sentem injustiçados perante seus adversários. Tal jogada consiste em simular no tabuleiro um terremoto real, agitado-o o mais rápido que puder, causando efeitos catastróficos irreversíveis. É um movimento tão fatal que, em 99,83% dos casos implica em um final trágico para a partida. Apesar de seu grande poder de destruição, tal movimento apresenta alguns efeitos colaterais. [Fonte: desciclopédia]

*

Esta brincadeira nada inocente, é um fato trágico e real nesta terra que vos falo [e em outras também, inclusive o Brasil. Explorar o outro e manipular países não é uma exclusividade... ao que tudo indica]. O fato, é que o mundo não é um punhado de estados norte americanos, como este campeonato de baseball teima em afirmar. O mais bizarro ainda, pra corroborar com toda essa doidice, é existir um documento que se chama Alien registration card, uma espécie de green card temporário que te dá direito à "cidadania" e uma cambada de direitos mínimos. ALIEN! 

Não nos surpreendemos. O que impressiona é a naturalidade com o que a "política externa" norte americana vem falando e agindo sobre outros países, tal como no jogo de tabuleiro da década de 90, como se de fato fossem outros mundos, no sentido pejorativo. Voltemos ao jornal do be-a-bá: 

Clinton prefers diplomacy (dihPLOH-muh-see) [ahãm, quem não te conhece que te compre]. That means talking and creating partnerships with other nations. She thinks it is a good tool that reduces the chance of war. 

Trump wants to think about America first. That means partnerships would only be created if the U.S. gets the most benefit. Their different views could affect the fight against the Islamic State. They could also affect relationships with China and Russia. 

Alguém avisa que isso não é nenhuma novidade? Que ridículo... 

Helena relatou sobre as possibilidade reais de "imigrantes ilegais" serem expulsos do país, ou deportados, como seu pai o foi, de acordo com o seu próprio relato, erroneamente. Não houve nenhum pedido de desculpas ou ressarcimento pelo engano. 

Todos ouvíamos com atenção e preocupação.

Hoje, na Universidade que tenta ser a mais inclusiva e multiétnica de Chicago, o clima era de tristeza absoluta. Amigos se abraçavam, usavam o espaço da cozinha para comer, beber e discutir sobre o que aconteceu para que chegassem a este resultado, aparentemente, não esperado. 

Turma da Mônica, Maurício de Souza.

Uma das professoras, durante uma palestra marcada para as 14:30, ao tentar consolar alunos que choraram durante suas argumentações sobre a vitória de Trump, mencionou que deveríamos nos espelhar nas populações do norte do Brasil, por exemplo, nos povos indígenas do Amazonas, que sofreram e sofrem todo tipo de exploração e assédio continuados e ainda sobrevivem. 

Para além da retórica benevolente de países imperialistas, fico matutando sobre os significados de estar no olho desse furacão... 


segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Língua and violence em chicago*

* Inspirado em Borderlands/La Frontera de Glória Anzaldua: pdf do livro:)



Last week, comecei um curso de inglês. No primeiro dia, todos fomos nos apresentando com nome e país de nascimento. A professora, Helena Rickijevic, pediu para que adivinhássemos de onde ela "era". Muitos falaram Rússia, eu chutei Polônia [entendedores entenderão o motivo rs]. Ela sorriu e disse que seu pai havia nascido na Polônia, mas ela "era"da Bósnia.

Um mapinha para os perdidos que nem eu 
Espremi o meu cérebro sobre o que eu sabia da Bósnia e só veio conflito armado e guerra. Fiquei tentando imaginar o tipo de vegetação que o país de Helena tinha, as danças, as frutas, os doces e até o tipo de casa que ela cresceu. Não veio nada: só a guerra. :/

Aos poucos, as pessoas foram se apresentando: Afeganistão, Ucrânia, Equador, Kensington, México, Nepal, China, Tailândia, Chile, Gana, Romênia e eu, do Brasil. Tomada pela empolgação instantânea, fiquei imaginando um Fórum maravilhoso, no qual nós discutíamos [juntinhos e abraçados] sobre "nossos" países e toda a experiência que cada um tinha. Desde a diversidade cultural, geográfica, AS COMIDINHAS, até os conflitos "pós-coloniais" [um posicionamento crítico, não como um período no tempo] através da história de vida de cada um... não seria maravilhoso?

O que nos traz à Illinois? O prazer de andar? Ainda não sei, sem pressa.

Fiz uma busca rápida sobre a língua de cada um dos países de meus coleguinhas de classe. Vou utilizar o critério de língua oficial... no entanto, considerando que o Brasil tem aproximadamente 150 línguas indígenas não-oficiais, tente supor a diversidade linguística dos países dos meus novos amiguinhos. Este critério "oficial"é falso, pra não dizer ridículo.

Mapa Etno-Histórico de Curt Nimuendaju.
Um dos mapas mais lindos do planeta.
Aqui tem o artigo falando do mapa:
http://www.etnolinguistica.org/biblio:nimuendaju-1981-mapa


[Respirando fundo] Vou continuar, só pra dizer que não falei das flores:

Afeganistão: Pachto e Dari; 
Ucrânia: Ucraniano;
Equador: Castelhano+ línguas "ameríndias";
Kensington: Francês
México: Castelhano, são reconhecidos oficialmente 68 agrupamentos linguísticos indígenas, totalizando 364 variantes. México é AMOR!
Nepal: Bantawa, Bhojpuri, Kurux, Dumi, Kusunda, Kiranti, Marwari, Mundari, Neuari, Nepali, Tharu;
China: Aini, Altai, Baima, Calmuca, Cantonês, Cazaque, Chinesa, Coreana, Lop, Min-nan, Wenzhou, Xangainês, Evenki, Gan, Hmong, Iu mien, Kim mun, Bouyei, Cham, Dong, Hacá, Hokkien, Jingpho, Ladakhi, Iahu, Naxi, Nung, Nuosu, Putian, Sarikoli, Tai Nua, Tshangla, Wa, Zhuang, Manchu, Mandarim, Min, Bei, Nan, Mongol, Nanai, Nushu, Mon Dong, Quirguiz, Salar, Pinyin, Zhuyin, Tangut, Tártara, Tuviniana, Uigur, Usbeque, Wakhi, Wu. [QUE ARRASO!!!!]
Tailândia: Hmong, Iu Mien, Khmer, Laociana, Cham, Tai Nua, Shan;
Chile: Castelhano, Huilliche, Kawésqar, Ona, Quíchua, Rapanui;
Gana: Abron, Adele, Akan, Anyin, Dagbani, Ewe, Fanti, Ga-dangme, Haúça, Kabiyé, Dagaare, More, Twi.
Romênia: Romeno.
[fonte: wikipédia ~vergonha~ é o que tem]

O livro didático oferecido para termos aulas de inglês duas vezes por semana é esse:

Observem as pessoas que estão no livro e o que estão fazendo.
A interpretação é livre <3
Ainda na semana passada, assisti a palestra "Decolonizing the Prehistory of Island Southeast Asia and Pacific" de John Edward Terrel, num dos principais Museus de História Natural de Chicago. Pra ser bem sincera, eu não tenho certeza se poderia estar assistindo essa palestra... provavelmente não. O fato é que eu assisti por ser exibidinha e entranhada. Por considerar abominável não compartilhar o que DEVE ser compartilhado, mesmo não sabendo se posso [juridicamente falando - #vidaloka] ou não, seguimos.

*

Ainda é difícil acompanhar uma palestra inteira em inglês, inclusive os debates, sem um desespero interno de saber do que as pessoas estão balançando a cabeça, rindo, ou de compreender todo o conteúdo que foi preparado para aquele momento. Passado um tempinho de pânico, lembrei das aulas e palestras que assisti na minha própria língua materna e da quantidade de vezes que não entendia bulhufas... ri sozinha e me acalmei.

John Terrell falava sobre a quantidade de línguas existentes num raio de 100 quilômetros quadrados naquelas ilhas maravilhosas da Western Melanésia, Polinésia [Oceania]. Eram aproximadamente uns setenta e cinco grupos linguísticos. Cada "vila" tem sua própria língua, seu próprio mundo e o fazem através de um cultural connection, segundo ele.

Do nada, um velhinho, bem velhinho, sentado na minha frente, perguntou o seguinte: porque tantas línguas diferentes não se "amalgamavam" [implorei pra Ana traduzir essa palavra pra mim rs] ou se fundiam? O botânico não parou por aí. Segundo ele, diversos estudos da sociologia biológica [oi?] afirmavam que na história mundial, as pequenas tribos foram se expandindo para grandes comunidades, naturalmente, e uniformizaram sua língua. Então, porque essas vilas não se amalgamavam?

Imaginei se a família Lima Barreto da etnia Tukano, do rio Tiquié, [Alto Rio Negro-Amazonas], teria a mesma opinião sobre o "naturalmente". Fiquei me perguntando o que leva a pessoa a ignorar os processos de violência que fazem parte de uma homogenização ou imposição de uma língua.

John respondeu: What's the pay off?
Ele ficou puto, alguns riram de canto de boca, ficou por isso mesmo e acabou a palestra.

Sério? Nojo de imaginar que o mundo inteiro vai falar esse dialetozinho mequetrefe. 

*

Difícil engolir a bosta desse inglês viu?

Ain't got no, I got life - Nina Simone


Ain't got no, I got life

Ain't got no home, ain't got no shoes
Ain't got no money, ain't got no class
Ain't got no skirts, ain't got no sweaters
Ain't got no perfume, ain't got no love
Ain't got no faith

Ain't got no culture
Ain't got no mother, ain't got no father
Ain't got no brother, ain't got no children
Ain't got no aunts, ain't got no uncles
Ain't got no love, ain't got no mind

Ain't got no country, ain't got no schooling
Ain't got no friends, ain't got no nothing
Ain't got no water, ain't got no air
Ain't got no smokes, ain't got no chicken

Ain't got no
Ain't got no water
Ain't got no love
Ain't got no air
Ain't got no God
Ain't got no wine
Ain't got no money
Ain't got no faith
Ain't got no God
Ain't got no love

Then what have I got
Why am I alive anyway?
Yeah, hell
What have I got
Nobody can take away

I got my hair, got my head
Got my brains, got my ears
Got my eyes, got my nose
Got my mouth
I got my
I got myself

I got my arms, got my hands
Got my fingers, got my legs
Got my feet, got my toes
Got my liver
Got my blood

I've got life
I've got lives

I've got headaches, and toothaches
And bad times too like you

I got my hair, got my head
Got my brains, got my ears
Got my eyes, got my nose
Got my mouth
I got my smile

I got my tongue, got my chin
Got my neck, got my boobs
Got my heart, got my soul
Got my back
I got my sex

I got my arms, got my hands
Got my fingers, got my legs
Got my feet, got my toes
Got my liver
Got my blood

I've got life
I've got my freedom
Ohhh
I've got life!


domingo, 16 de outubro de 2016

Brasil e Egito

Hoje falaremos de projetos que já apontavam para relações internacionais entre o Brasil e a República Árabe do Egito, esse país lindo, que só faz gente linda. Percebam as características artísticas dos efeitos especiais desta obra atemporal "Essa é a mistura do Brasil com o Egito" ou "A dança do ventre". Assim como a empatia com a cultura local que o grupo artístico, avant-garde, nos faz sentir com a sua propositura.



Considerando o artigo de Marilyn-Diva  Subject or Object: Women and the Circulation of Valuables in Highlands in New Guinea, negligenciaremos, muito a contra gosto, a discussão da mulher enquanto sujeito ou objeto. Não vamos considerar a apresentação performática do homem de alcunha jacaré, pois ele não é vítima da canção, digo, não é citado nas estrofes do grupo É o tchan

Sentimento imprevisto: Marilyn errou. Não tem essa putaria de relativizar essa porra toda com exemplo lá das New Guiné não. Aqui o bagulho é claro, essa aberração é ultrajante! morte ao cuzão do califa!

Então, como eu ia dizendo, esta canção, incluindo o clipe, é uma saudação ao corpo da mulher cis e a sua forma de expressão em estado "pleno" através da dança. O estímulo provocado por esta potência, é homenageado por diversas vezes nas estrofes bem elaboradas. Este grupo, considerado Patrimônio da Cultura Brasileira, formou gerações que dispensaram ajuda psicológica-profissional no quesito pegação. A naturalidade com que estas técnicas corporais foram inseridas no seu cotidiano, dispensaram qualquer aula de C.F.B. [Ciência, Física e Biológica]. 

Tá aí gringo-land: chupa que é de uva. 


Dança do ventre, É o Tchan


domingo, 4 de setembro de 2016

Árvore de defunto

Vovô Arlindo estava na mesa da cozinha e, como de costume, convidou filhos e netos para comerem o guisado. O prato do domingo era feito de pirarucu fresco. Atravessou a rua de sua casa e convidou tio Mário, chamou várias vezes sem sucesso, não tinha certeza se ele estava em casa... supôs que poderia ser o "novo" hábito manauara: entupir a casa de ar condicionado e trancar todas as portas durante o dia. 



No sábado, falou para sua filha mais velha, Rosimar, ir a taberna comprar óleo de dendê. Pela convivência de toda sua vida, a primogênita entendeu que seu pai gostaria que ela preparasse o guizado do peixão com o tal do óleo, "sem o leite de coco e muita verdura", ele disse. Vovô Arlindo sabia o que dizia.

Antes do prato principal ficar pronto, cozinhou quase um quilo de cará roxo e deixou sobre a mesa assim que acordou. Desta maneira, a prole esfomeada teria o que comer da manhã até o almoço. 

Depois que a panelada ficou pronta, do nada, tio Mário apareceu. A neta mais velha, que estava sentada na mesa gigante, comentou sobre a expedição feita pela manhã no terreno do tio. Explicou que ao observar minuciosamente toda aquela exuberante vegetação, um milhão de carrapicho's grudaram no seu vestido. Passado a raiva, verificou que o pé de limão estava morrendo, mas a goiabeira e o cajueiro estavam "carregadinhos", acrescentou que pareciam frutas de cemitério.

A morbidez de tal comentário, no meio do almoço de domingo, causou asco no seu avô, que havia acabado de colocar uma colherada de pirarucu na boca: 

"Eu não como goiaba, manga, jambo [...] fruta nenhuma de cemitério"

Todos riram e a neta metida a sabida perguntou o porque:

"Minha filha, uma árvore é como uma pessoa, sabe as nossas veias? onde passa o sangue? tem o mesmo dentro de um pé [de árvore]. As raízes vão fundo no chão, e no cemitério ela suga aquela lama de defunto. Eu não como aquilo por nada no mundo! aquilo é imundo!"

Tio Mário, exibindo um conhecimento altamente especializado, interviu e disse que se tratava da seiva, que era tudo transformado, e o que passava para fruta era apenas os nutrientes. Tia Mara, espocando de rir, deixou bem claro que comer  fruta  de cemitério era o mesmo que comer as frutas deliciosas do terreno do ti Nena. A única diferença era que o adubo tratava-se de cocô e não de restos humanos. Ti Nena tem a goiabeira mais saborosa do bairro por ter plantado em cima de sua fossa. 

Vovô Arlindo não disse nada a respeito da goiabeira do seu vizinho falecido, ti Nena. Ignorou todos os comentários da mesa, balançou a cabeça e afirmou que não comeria nada de árvore de defunto e ponto final. 



Fim

terça-feira, 30 de agosto de 2016

They shoot horses, don't they? [Mas não se mata cavalo?]


"Ao passar pelas portas dos fundos vislumbrei o oceano cintilante de sol. Por um momento fiquei de tal modo atônito, que não pude mover. Não sabia se estava mais surpreendido por ver o sol pela primeira vez em quase três semanas ou se por ter descoberto a porta. Caminhei até ela, esperando que o sol não desaparecesse antes de eu atingi-la"... (McCoy, Horace. p. 55. Publicado em 1935)

"They shoot horses, don't they?" Dirigido por Sidney Pollack em1965 

domingo, 28 de agosto de 2016

FUNAI: 40 mil pessoas

Hoje, pela manhã e tarde, a Escola de Educação Fazendária [ESAF] fez com que quarenta mil pessoas lessem o conteúdo da prova para o cargo de "Indigenista" da Fundação Nacional do Índio [FUNAI]. O nascimento macabro do Serviço de Proteção aos Índios [SPI] e os desastrosos passos da FUNAI, sob os nossos olhos pouco atentos, no que diz respeito os povos indígenas, não foram suficientes pra me tirar o motivo do meu dia feliz. É preocupante! eu sei... 

Quarenta mil pessoas se inscreveram para fazer esse concurso, e independente da motivação de cada um, elas tiveram que ler essa prova maravilhosa [a grosso modo] que a ESAF proporcionou. É indiferente quem irá passar ou não. Hoje, quarenta mil pessoas [independente da formação] leram e refletiram, ao menos um tiquinho, no que é e no que foi ser índio nesse país.

#PEC215NÃO #FORATEMER

~muito feliz~

terça-feira, 9 de agosto de 2016

Saartjie Baartman [1789-1815]


~ Críticas aos queridinhos da vez: "arte" e "ciência" ~ 

"Até 1974, os restos do corpo de Saartie Baartman foram exibidos no Museu do Homem, em Paris. Em 1994, a África do Sul pediu a sua restituição à França. Em 09 de agosto de 2002, ela foi sepultada em sua terra natal [vale do rio Gamtoos, atual província do Cabo Oriental, África do Sul]"





[O filme está completo no youtube, mas só consigo postar o trailer :/]


As vinhas da ira, The grapes of wrath


"E à noite acontecia uma coisa estranha: as vinte famílias tornavam-se uma só família, os filhos de uma eram filhos das outras, de todas. A perda de um lar tornava-se uma perda coletiva, e o sonho dourado do oeste um sonho coletivo. E podia acontecer que uma criança enferma enchia de pena os corações de vinte famílias, de cem pessoas; que um parto numa tenda mantinha cem pessoas em silêncio e em expectativa durante uma noite e que a manhã seguinte encontrava cem pessoas felizes com o êxito de um parto estranho. Uma família, que uma noite era antes errara apavorada na estrada, procurava então, talvez, entre os seus parcos tesouros, algo que pudesse ser dado de presente ao recém-nascido. À noite, sentados ao redor da fogueira, os vinte eram um só. Uma guitarra surgia então de sob um cobertor e soava tristemente, e canções eram entoadas, canções populares. Os homens cantavam a letra e as mulheres cantarolavam a melodia. 

Todas as noites um mundo surgia: amizade se faziam, inimizades se estabeleciam; um mundo completo, com gabolas e covardes, com gente silenciosa, com gente humilde, com gente bondosa. Todas as noites, relações eram feitas, relações que modelavam um mundo à parte; e todas as manhãs esses mundos se desfaziam como circos ambulantes.

A princípio, as famílias titubeavam nas montagens e desmontagens desses mundos; mas gradualmente a técnica da construção de mundos tornava-se a sua técnica. Os líderes surgiam, leis se faziam e códigos eram observados. E à medida que os mundos se deslocavam para oeste mais e mais completos se tornavam, porque seus construtores já tinham adquirido mais e mais experiência."

A fotografia "migrante mother", de Dorothea Lange [década de 1930] mostra Florence Owens Thompson, mãe de sete crianças, de 32 anos de idade, em Nipono, Califórnia, março de 1936, em busca de um emprego ou de ajuda para sustentar sua família. Seu marido havia perdido seu emprego em 1931, e morrera no mesmo ano. 



STEINBECK, John, 1902-1968. As vinhas da ira; Tradução de Ernesto Vinhaes e Herbert Caro. São Paulo: Abril Cultural, 1982. p. 258 [O livro foi publicado em 1939, e o filme, dirigido por John Ford , em 1940]


segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Santa Tereza: medo de escrever

Esqueci o que é escrever por aqui. Segundo uma doceira, pra você se tornar um profissional, você deve, assim que acordar, bater umas claras com leite fresco e açúcar todos os dias.

Será que vale o mesmo pra escrita? claro que sim!

Acordar, ler vinte-cinquenta páginas de um "livro" e escrever um parágrafo.

Ou antes de dormir, escrever um parágrafo. Porque não?

Existe muita beleza no ordinário.

Hoje estive nas ladeiras de Santa Tereza com música, bebidinha e churrasco, em uma segunda feira.

Na terra do entretenimento, isso me parece corriqueiro. É sempre um luxo, um requinte, ir além do ponto turístico, do cenário bobo e batido desse lugar. Nunca sei ao certo sobre o que estou vendo, o ouro de tolo é frequente. Estou cansada, o exotismo não é um privilégio do norte.

Demora encontrar gente-gente, sabe? É irritante!

A saber: não estou trabalhando, trata-se de licença qualquer coisa.

*

As ladeiras são lindas, escrevo porque hoje não senti medo.

Não senti medo de farda, não senti medo de polícia, não senti medo de moto, não senti medo do frisson olimpíada, não senti medo de pessoas. Simplesmente não senti medo e fiz [senti] parte da cidade. Faz tempo que não sei o que é isso. É real?

Estava com um ex morador de Santa Tereza da década de sessenta, acho.

Sentar numa praça quase à meia noite, diante de ladeiras e casinhas-luzinhas infinitas foi um prazer que não consigo descrever.

*

Saudades do que não vivi;

A morte une pessoas;

Julieta apetece o mundo, Almodovar é gênio;

Oklahoma é um Estado vermelho em 1929;

Amanhã é dia de lugar lugar favorito;

Colombo, docinhos e sentimento no mundo;

O amor acabou;

O mundo tem muita vida;

O mundo é muito grande;

A música é uma forma de oração;

Pessoas são bençãos;

Amazônia é um lugar, como qualquer um outro... use-o com moderação.





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