quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

Kate Bush e Emily Bronte

Depois da Kate ter assistido o filme (1970) inspirado na obra da Emily (1847), ela descobriu que havia nascido no mesmo dia da autora, 30 de julho. Daí se animou e escreveu a música e fez o clipe. Eu percebi que cheguei em Manaus no dia que Emily faleceu. Oo

Já devo ter assistido esse clipe umas mil vezes, quero morar nele. É demais! Viva as duas!

Wuthering Heights, 1978
Sobre o livro. 

Acho que algo marcante é a amargura que envolve toda a história. Um anti-herói péssimo. No entanto, depois de tanta coisa horrível e tantos personagens não agradáveis... tudo bem ser estranho, tudo bem gostar de um jeito estranho, imperfeito. Tudo bem ser grosseiro e gentil, na medida que o meio te oferece condições para ser ambos. Não consegui torcer pelo casal nenhuma vez. Cheguei até a esquecê-los diversas vezes durante a leitura. No entanto, eles (Heathcliff e Catherine) não dão a mínima, e terminam juntos de um jeito bizarro que só a Kate foi capaz de traduzir.  Há uma honestidade nisso tudo. Melhor, mais uma vez, uma franqueza bizarra, mas não menos apaixonada.

Agradeço a Emily e Kate por serem esquisitamente incríveis. Feliz 2021.  

terça-feira, 29 de dezembro de 2020

Cólera e covid-19

Faz três dias que sinto dores no corpo. Estou em Manaus desde o dia 19 e achei que a "temporada de covid" chegaria pra mim a qualquer momento.

Acontece que curiosamente eu tive quase os mesmos sintomas no ano passado, exatamente na mesma data (pós-natal), quando estive na casa da Pati em Niterói. A grande diferença era que o motivo de ficar de cama com dores absurdas no corpo, foi uma garganta inflamada na presença do meu avó e alguns tios e tias. 

Tentei me observar. Não perdi olfato nem paladar, como andam circulando que são os principais sintomas. Em compensação, muitas dores nas pernas, costas, braços, lombar, nuca. Nenhuma posição era confortável. A menos ruim era deitar de lado, sem travesseiro. 

No terceiro dia, não dependia mais de novalgina nem antigripais. Decidimos que caso as dores piorassem, iria ao hospital e caso elas diminuíssem, iria tomar dorflex, em último caso. Simples assim, um consenso coletivo de tratamento caseiro contra um possível covid. Não recomendo, procure um médico. Isso aqui é uma plantação de abobrinhas. 

Faz três dias também, que leio um texto de 1847, da Emily Bronte.  Até a página 212 já morreram duas mulheres estranhas, incríveis e um casal de idosos, com todo respeito, irrelevantes. Aparentemente do nada e de febre. A princípio, segundo uma busca rápida, a Inglaterra teve um surto de cólera que matou milhares. Mas isso não está claro no livro, é só uma hipótese.

"It is cholera to blame". Pavel Fedotov, 1848

Hoje recebi duas mensagens. Em uma delas, consegui alugar meu apartamento para um amigo de um amigo, por um mês, no estilo airbnb no período que ficarei aqui. Estou imensamente feliz!

Curiosamente, minha dor muscular diminuiu e arrisco dizer que estou bem melhor sem nenhum medicamento. Só água e tambaqui assado. Como explicar? Não sei. 

Continuo me observando, vamos ver o que vai ser amanhã. 

No morro dos ventos uivantes, esse relato de franqueza apaixonada, Catherine acabou de ter suas cartinhas descobertas pela Nelly. Segue o baile entre os ingleses. 



quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

Macroeconomia e o pequeno príncipe




"O quarto planeta era o do homem de negócios. Este homem estava tão ocupado que nem mesmo levantou a cabeça com a chegada do pequeno príncipe. 
- Bom dia - este lhe disse. - O seu cigarro está apagado.
- Três mais dois dá cinco. Cinco mais sete, doze. Doze mais três, quinze. Bom dia. Quinze mais sete, vinte e dois. Vinte e dois mais seis, vinte e oito. Sem tempo de acender de novo. Vinte e seis mais cinco, trinta e um. Ufa! Isso dá, portanto, quinhentos e um milhões, seiscentos e vinte e dois mil, setecentos e trinta e um. 
- Quinhentos milhões de que?
- O que? Você ainda está aí? Quinhentos e um milhões de... eu não sei mais... tenho tanto trabalho!" 
(SAINT-EXUPÉRY. Le petit prince. 1943)

*
Não se enganem, eu amo o meu trabalho. Ainda que eu não chegue nem no mínimo que poderia fazer. E sinceramente? Eu amo essa potência oculta que me acompanha, uma espécie de eterno devir. Mas o que é o trabalhoEssa crítica fina desse aviador sensível, obstinado e mergulhado no caos, na guerra, emociona. Mas não só por isso. 

*
Encasquetei que deveria entender economia. Algo relacionado com amor, paixão, discurso econômico, ódio, transgressão, rebeldia, antropologia, justiça, ciência. Não sei explicar direito. Quando percebi, estava na Unicamp estudando crises econômicas e um ano depois continuo mais desconfiada do que nunca. Nada, mas nada, me faz acreditar que isso faça sentido. Ninguém, mas ninguém merece trabalhar feito burro de carga às custas de uma minoria medíocre. Mas sigo, sigo firme como uma espiã obcecada, um bicho puto da vida, com sangue nos olhos e revolta, muita revolta. Como pode tanto cinismo?

O fato é que tenho dois dias para finalizar meu trabalho de macroeconomia que não suporto. Eu tinha tudo pra simpatizar com o Kalecki e o Keynes, mas como simpatizar com ações que o contexto por si só é absurdo e abusivoNão consigo entender quem tampa o sol com a peneira. Transformar que é bom ninguém quer. Não vem falar de modelo inglês, geração de emprego e renda, enquanto os trenzinhos da coroa saqueiam o trigo na Índia e classificam isso de "relações econômicas internacionais", me poupe. 

O curioso é que as pessoas são o "problema que precisamos resolver". Daí vem os obstáculos dos direitos trabalhistas, direitos territoriais, a legislação ambiental cada vez mais rígida... no entanto, esse mesmo "problema" é a solução. Não é intrigante?

Uma sociedade com regimes econômicos infelizes, tem o seguinte mote: "os capitalistas ganham o que gastam, enquanto os trabalhadores gastam o que ganham". Essa frase, poderia ser uma crítica, mas não é. É uma afirmação, para muitos, até coerente. É arbitrária, escrita no terreno da manipulação e exploração de pessoas e recursos sem limites. É abusiva, injusta e nem deveria ser cogitada como algo referente a algum tipo de conhecimento científico. E esse vocabulário: "determinação da renda", "demanda efetiva", "renda agregada (Y)", "estímulo de demanda", "estabilização de ciclo econômico" são as artimanhas utilizadas para justificar ações políticas que alteram significativamente a vida de todos que habitam este planeta. Até a linguagem é proposital. Quanto menos entenderem, melhor. "Distribuição de renda, nível de emprego e classes sociais" são uma espécie de resíduo desse glossário macabro que rege a humanidade desde os primórdios da acumulação primitiva. 

A última questão é pensar em investimento privado e o nível de empregabilidade. Quem disse que eu quero ser empregada, quem disse que eu quero ser empregador? Quem disse que isso pode ser cogitado como opção? Desde quando (pergunta honesta) essas categorias passaram a ser referência para qualidade de vida ou bem viver? 

Tenho tanta raiva de estudar o que odeio: economia e direito. Mas fazer o queQue saco!

Ou é isso ou esses palhaços continuam cagando na nossa cabeça. Falei com um professor e enviei um e-mail à casa de caba pra fazer iniciação científica na altura do campeonato. Queria tanto estar falando nesse tom palestrinha universitário num botequinho gostoso com a patota, mas... é isso, amores. Viva o meu blog antiquado que me desopila o fígado. Vintage? nunca saberei. 

Se o fogo move o mundo, sem ar ele sucumbe.
  

Praia mole

A praia mole não foi a primeira que conhecemos na ilha. Nesse dia, acordamos cedo, subimos uma ladeira infinita e chegamos. Até ali, nada demais: água e areia. A descrição no meu guia era divertida:

"A praia mole é famosa por suas ondas de nível internacional e é conhecida no mundo todo por suas festas, especialmente entre a comunidade gay e lésbica. A praia é absolutamente bela, assim como a maioria das pessoas que nada e surfa por lá. Fica cheia, mas é parte do charme."

Havia um arvoredo bonito e logo nas escadas, me deparei com um par de olhos sequestrados sem perceber. Segundo a pensadora contemporânea Carol, são os "olhares aprisionados". Foi tão rápido e profundo que mal pude perceber que estava recém saído do mar com o seu brinquedo embaixo de um dos braços. Era um conjunto de olhos, pele, cabelos pretos e água.  

Quase sem fôlego, continuei descendo. Não me passou pela cabeça olhar para trás, é quase o mesmo sentimento com estrelas cadentes. Faça o pedido e agradeça por ter visto aquela belezura. Seguimos. 

Era muito cedo, a praia estava vazia e logo avistei um deus marinho caminhando em nossa direção. Dessa vez foi a minha vez de ter o olhar sequestrado, aprisionado. Quase congelei de nervoso. Ele percebeu, sorriu, disse bom dia e seguiu. Duas estrelas cadentes só pela manhã. Que praia! 

Segundo a narrativa local, ela tem esse nome pela areia ser mole, fofinha. Definitivamente: só os fofos sobrevivem. 

Notei que estava cheio de peixes no mar e não na areia. Decidimos fincar território, ou espalhar a canga, onde houvesse a melhor visão do cardume, um espetáculo a céu aberto. Minha maldita mania de não colocar grau em óculos de sol. A areia estava vazia, o mar cheio. Mas não para bobagens, tratava-se de algo seríssimo: surfar. Pairou um silêncio profundo de alguns minutos entre os três corpos na areia. Estavam tomados pela euforia da recém alforria do confinamento forçado de pouco menos que dez meses. 

Um dos corpos passou a observar que tipo de onda apetecia a entrada ou quais eram os movimentos necessários para levantar e equilibrar. Qual a sensação de deslizar... parecia muito gostoso, ninguém saía da água.  

Entrei no mar: mente quieta, espinha ereta e o coração tranquilo. 

O assunto era unânime: "A água está uma delícia, perceberam como as ondas estão incríveis? Hoje é o melhor dia para surfar". 

Eu fiquei imaginando em que contexto eu teria esse tipo de diálogo, senão ali. 

Continuei brincando na água, encarando as ondinhas e ondonas. Era delicioso acompanhar o movimento da água e saber que existia uma muralha humana depois da rebentação. Eram muitxs! Nada me aconteceria e eu poderia continuar dançando naquela baladinha imaginária de mil sensações. Para os iniciantes como eu, a água estava vazia. Tudo acontecia mais adiante. 

Me afastei da praia sem querer de tão gostoso que estava. Avistei minha prima bem distante e na areia, parecia preocupada e me chamando. Sem entender, nadei e voltei. Passei mais de duas horas na água e não tinha percebido. A beleza, de fato, sequestra. <3  

Não pensei em tubarões, confiei. Confiei na experiência que as ondas me proporcionavam e fui avançado na medida que achava que podia. Confiei também na quantidade de pessoas, de mulheres que estavam surfando, era lindo de ver. Ninguém era extraordinário por isso, ainda que fosse. Eram humanos tanto quanto eu, que, com um pouco de técnica corporal, poderia fazer o mesmo. Quem sabe?

Mind Doodles

self-confidence in sway
confiança en si mesmo en fluir
autoconfiança no balanço


terça-feira, 15 de dezembro de 2020

Pequeno mapa do tempo, Bel*

Joaquín Torres (1943)



Eu tenho medo e medo está por fora

O medo anda por dentro do teu coração
Eu tenho medo de que chegue a hora
Em que eu precise entrar no avião

Eu tenho medo de abrir a porta
Que dá pro sertão da minha solidão
Apertar o botão: cidade morta
Placa torta indicando a contramão
Faca de ponta e meu punhal que corta
E o fantasma escondido no porão

Medo, medo. medo, medo, medo, medo

Eu tenho medo que Belo Horizonte
Eu tenho medo que Minas Gerais
Eu tenho medo que Natal, Vitória
Eu tenho medo Goiânia, Goiás

Eu tenho medo Salvador, Bahia
Eu tenho medo Belém, Belém do Pará
Eu tenho medo pai, filho, Espírito Santo, São Paulo
Eu tenho medo eu tenho C eu digo A

Eu tenho medo um Rio, um Porto Alegre, um Recife
Eu tenho medo Paraíba, medo Paranapá
Eu tenho medo Estrela do Norte, paixão, morte é certeza
Medo Fortaleza, medo Ceará

Medo, medo. medo, medo, medo, medo

Eu tenho medo e já aconteceu
Eu tenho medo e inda está por vir
Morre o meu medo e isto não é segredo

Eu mando buscar outro lá no Piauí
Medo, o meu boi morreu, o que será de mim?
Manda buscar outro, maninha, no Piauí

*Wendel tocou hoje, na live do instagram. :)

Viagem de avião

Tenho uma amiga que faz aniversário no dia 13 de dezembro. No meio de uma conversa sobre as possibilidades de nos encontrarmos para celebrar, ela disse que iria para Curitiba e de lá, poderíamos ir para Florianópolis. 

Achei ótimo, poderia ir de ônibus. 

De supetão, comprou duas passagens de avião ida e volta. Fiquei chocada e bem chateada... fazia quase quatro anos que eu não voava. Como ela podia fazer isso comigo? Meu protesto foi ficar em silêncio por um bom tempo e descontar tudo na terapia. Coitado do Daniel, e de mim também. Convidei minha prima pra ir junto, caso eu não conseguisse embarcar, ao menos ela teria uma companhia e não ficaria com  tanta raiva de mim. Conseguimos que ela fosse no mesmo voo que eu. 

Chegado o dia, 03 de dezembro, eu minha prima fomos ao aeroporto de Guarulhos. Estava um dia bem bonito. No trajeto de carro estava tudo bem, no saguão do aeroporto também, encontramos com a minha amiga na sala de embarque, nos abraçamos, estava tudo bem. Não mencionei nada sobre medo e ninguém me perguntou. 

Quando levantamos para embarcar, comecei a chorar sorrindo. Achei vantagem estar de máscara, enxugava as lágrimas e disfarçava qualquer expressão minha. Nos abraçamos. Entrei e sentei na poltrona 15 corredor. Havia uma senhora e seu filho adolescente, o pai estava sentado a frente com uma criança. 

Fiquei quieta, só chorava. Me sentia um bicho comestível indo para o abate. Fazia tempo que não entrava em uma aeronave, então comecei a reparar em tudo. Poltrona, mesinha presa atrás, no teto, nas janelas, daí o avião acelerou para subir. Fechei os olhos. 

O curioso é que subitamente passeia a achar legal estar numa máquina tão bem feita e comecei a simpatizar com o progresso tecnológico que aquilo significava. Por via das dúvidas, tirei o tercinho de madeira que a mamãe comprou em Aparecida, apertei as bolinhas o máximo que pude e passei a rezar freneticamente. Fiquei pensando se a meditação teria sido mais eficaz, mas tive que decidir muito rápido, não deu tempo de refletir muito. Comecei a imaginar a quantidade de mensagens que eu ia enviar dizendo que voei e isso me acalmou.

Decolou. 

Eu sei que precisava de alguns minutos para ele parar de fazer aquele barulho um pouco mais alto e meio que estabilizar no céu. Foi rápido, logo estabilizou e não era necessário ficar com os cintos de segurança. Pra mim não fazia a menor diferença, eu ficaria amarrada até o fim da viagem de qualquer maneira. 

O avião pouco balançou. Como de praxe, eu fiquei rezando e olhando as horas no celular até faltar trinta minutos para a previsão de pouso. Reconheço pela alteração do som das turbinas (acho) e já sei quando está descendo. Daí eu começo a curtir a viagem, de verdade. Olho pela janela, admiro a paisagem, adoro as manobras do piloto, converso fácil com desconhecides, ainda q dessa vez tenha ficado bem calada. 

Saindo do avião, agradeci a tripulação pelo ótimo voo e disse que estava com medo. O piloto tirou sarro de mim. Disse que era bancário e estava ali a passeio, achei grosseiro, mas percebi que era algo cultural e não pessoal. E de fato, tratava-se de uma brincadeira grosseira que eu não era obrigada a achar engraçado. Sugeriu que eu tirasse uma foto na cabine, que era importante para perder o medo, que aquilo seria uma espécie de ritual de passagem. Fiquei envergonhada, mas resolvi encarar o mico e torcer para que se tratasse de uma magia simpática. 

Quando o avião pousou, me senti a Gal Gadot e comemorei trabalhando no aeroporto, comendo uma salada de frutas bem colorida e esperando minha amiga chegar. É difícil falar disso sem me sentir mergulhada em uma narrativa de superação ridícula. Não sei, as vezes acho que me falta repertório para entender algumas passagens da vida. Me parece algo mais próximo a uma travessia. Seja de ponte, de território ou de continente. Mas não sei de novo, talvez não seja algo tão próximo do geográfico... é outra coisa, sei lá. 



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