domingo, 6 de outubro de 2013

a invenção* da coragem

Coisa boa é comprar livro na promoção... sua nano biblioteca precisa ficar recheada de lombadas bonitas, assim você tira aquelas fotos cheias de estilo com ela ao fundo dizendo a sociedade ou às redes sociais (que na atual conjuntura dá no mesmo) o quanto você é culta, inteligente, exibida... puro charme!

Melhor ainda é você comprá-los antes de qualquer viagem, na volta, aquelas caixinhas cheia de selos sobre a sua cama te dirão: "bem vinda querida"!



não vou fazer comercial da editora e sim falar de um pacotinho, comprado duvidosamente:

- ah, eu nem comprei! é a versão portátil... a letra deve ser minúscula!
- putz, agora já era.


Demorou pra eu aceitar essa edição de cores em neon... a anterior é linda... letrinhas "ontem, hoje e amanhã" brincando num fundo branco e comunicando flores, pés de galinhas, galhos de árvores, redes, neurônios... o que a sua imaginação alcançar.



Passada a fase da frescura estética, abri o livro e notei que as letras não eram tão pequenas! UFA! e super me achei por ter comprado esse livro por um preço tão bom... rá!

Roy Wagner inicia o livro falando da capacidade do homem inventar sua própria realidade... obviamente o trabalho do autor é bem mais complexo e se divide em seis capítulos... dentre eles "a invenção do eu".

Toda essa introdução pra falar do quanto você pode ser uma fraude... explico.

Na ausência de tudo que você considera digno num ser humano, invente que você tem.

Invente que você não se importa em passar quatro dias com a mesma roupa, de ficar um dia com e no outro sem calcinha (ela estava secando no sol) que não tem problema tomar banho só com água porque você nunca sabia ao certo pra onde ia, ou o que ia fazer, onde ia ficar e quantos dias iria passar naquele novo lugar (SENSACIONAL).

-vamos?
-vamos! 

Invente que você sabe cozinhar, que sabe tirar fotos, que corrige textos e ajuda nos manifestos, que sabe cuidar de crianças, que não tem medo do escuro, nem de barulhos estranhos, nem de pistoleiro, nem de fazendeiro de cacau, muito menos da figura simpática do Orixá Exu, que dormiu na sala juntinho de você, bem pertinho da sua esteira :~. 

Orixá Exu


Exu é o orixá da comunicação. É o guardião das aldeias, cidades, casas e do axé, das coisas que são feitas e do comportamento humano. A palavra Èșù em yorubá significa “esfera” e, na verdade, Exu é o orixá do movimentoNa África na época das colonizações, o Exu foi sincretizado erroneamente com o diabo cristão pelos colonizadores, devido ao seu estilo irreverente, brincalhão e a forma como é representado no culto africano. Por ser provocador, indecente, astucioso e sensual, é comumente confundido com a figura de Satanás, o que é um equívoco de acordo com a construção teológica yorubá, posto que não está em oposição a Deus, muito menos é considerado uma personificação do malMesmo porque nesta religião não existem diabos ou entidades encarregadas única e exclusivamente de coisas ruins como fazem as religiões cristãs.(wiki)


Medo, muitas vezes, pode ser ignorância... porque fui treinada/ensinada a sentir tanto medo? porque o certo e o errado/o bem e mal foi tão "bem" separado? estou apaixonada pelo Candomblé... ele aparecerá em outros textos por aqui.

*

Invente que aquela quantidade absurda de carapanã que ferrou a sua cara inteira não tem a menor importância, invente que mesmo suja você é linda, aguenta ficar com o cabelo seboso e sem a sua capa de proteção diária: o protetor solar (!!!!!). 

Invente diariamente, que não é covarde, que tiro nenhum te acerta, que a violência não te alcança, que você aguenta, que vai se orgulhar de tudo isso, invente que você é uma antropóloga, mesmo sem o diploma, que aquele maldito medo de andar de avião que te dá caganeira antes do voo vai passar também... ainda que a mãe Darabi, depois de uma risada gostosa, ter te falado que isso não tem jeito:

- minha filha, isso é pra vida toda, já ouviu a música do Belquior?

Invente que vai ter jogo de cintura para driblar as fofocas e as intrigas,  os textos que você leu e as aulas que teve já advertiam do que é ser mulher no campo. Que vai fazer muitos amigos e possíveis parceiros de trabalho. Invente que você acredita no invisível, aliás, isso você não inventou... 

Chegará um dia que, depois de ter contado tanta mentira pra si mesma, aquela máscara vai te grudar na cara, e se continuar a dize-las umas 100 vezes, se tornará verdade.

De fraude, você se torna uma pessoa inventada, olha que beleza.

Pra quem queria voltar outra porque estava de saco cheio de si mesma,
o ritual de iniciação no campo teve um papel fundamental.

Agradecimentos especiais ao Instituto Brasil Plural, que financiou essa "empreitada".


*Categoria formulada por Roy Wagner que foi utilizada nesse post de forma vulgar e superficial, sério. Que é a linguagem deste blog, quando se trata de textos mais científicos. hehehehe





2 comentários:

  1. Achei, na verdade, o uso do termo invenção muito criativo. Se reinventar pode ser muito bom, adaptar-se ao meio que talvez fosse muito mais estranho que inóspito. No seu caso, senti que toda esta "invenção do eu" era uma forma de proteger-se do medo de algum perigo iminente e, no final das contas, esta sua reinvenção parece que te ajudou existencialmente. Talvez esteja renovada e vivificada para seguir seu caminho, aí em sua terrinha.
    No meu caso, quando me desloquei de minha cidade natal durante certo período prolongado, percebi que quando estive de volta, já não me sentia realmente "de volta". Eu mudei e a cidade mudou. Fomos transformados separadamente e, portanto, me senti quase que inteiramente fora do lugar que antes vivia.
    Hoje, meu medo não é exatamente do estranho, do desconhecido se impondo com seu excesso de realidade sobre mim. Isto acontece muito comigo e pouco posso fazer. Às vezes sinto necessidade de compartilhar isto, também.
    Entretanto, fico pensando que talvez, quando menos esperar, não terei mais boas razões pra voltar. Já estarei completamente reinventado, assim como a cidade (natal), e talvez possa fazer como Milton Hatoum: escrever sobre uma cidade de infância que já não existe mais (ou pelo menos, do modo que desejaria).
    Mas não estou dizendo que isto seria necessariamente ruim. Talvez seja algo realmente da natureza humana a inevitável necessidade de alocar-se ou realocar-se. Territorializar-se. Pelo menos por um tempo, curto ou longo. Ficar suspenso no mundo, orbitando, sentindo-se uma "fraude" - falando do seu modo - é bem pior. Uma hora precisamos "viver realmente" e isto implica nos reinventarmos para melhor viver o "nosso" lugar...
    Bjos, Natasha!

    ResponderExcluir
  2. Que texto lindo! Concordo com o comentário acima: a cada deslocamento a gebte muda irremediavelmente. O difícil é descobrir qual é o seu lugar (se é que ainda tem) de onde partiu e onde chegou. Nem que seja entre as 4 paredes que a gente chama de casa.

    ResponderExcluir

textos relacionados

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...