quarta-feira, 1 de maio de 2013

a arrogância antropológica





Há quem diga que antropólogo é arrogante, agressivo. Que não respeita a interdisciplinaridade, que é muito acadêmico, que não é objetivo, que se apega muito aos detalhes, que não sabe conviver com pessoas “inteligentes”.

Populações que moram as margens do rio, conhecidos popularmente como ribeirinhos e indígenas. É com essas pessoas com quem você vai conviver, conversar, comer e esmagá-las de perguntas agressivas e questionários absurdos num intervalo de poucas horas. 

Questionário? quem ainda usa isso? Escola de Chicago revival! Uma breve leitura de um dos capítulos do livro “a miséria do mundo” resolveria o problema. melhor não, os formulários já foram impressos, as tintas e os papéis já foram gastos. Sugestões também não serão aceitas... pra que mudar uma fórmula que já vem dando tão certo?

E aí começa a feira de vaidades. Ouvi uma vez que a geografia é a ciência do poder, na guerra, ela era-é fundamental. Na Amazônia também. Você não tem noção do que é esse mundo paralelo de rios, florestas e demarcações até ter condições de pegar uma rabeta e se dirigir sozinho à casa do seu parente mais próximo. Não tem placa, não tem sinal de “vire a esquerda” ou siga a seta, não tem faixa de pedestre, as localidades não aparecem no mapinha de colégio que você trouxe ingenuamente achando que ia identificar tudo. E aí começa a peregrinação com as imagens congeladas do google earth, seus mapas desenhados artesanalmente rabiscos de rios e o maravilhoso GPS, pra entender a dinâmica desse mundaréu de coisa.

Apesar da paisagem ser paradisíaca, turismo por aqui é "pesca e caça esportiva”. Sim, o esporte favorito da rainha da Inglaterra rola por aqui. Não sei se na Europa eles atiram nos “camponeses” sem querer, aqui acontece vez ou outra. mas e daí?

Não pretendo fazer análises sobre um trabalho que estou escrevendo “relatório”, que provavelmente não será lido. Gostaria de retornar ao tópico “a arrogância antropológica”:

Experimente conviver com ambientalistas que admiram a postura de fazendeiros no entorno da BR 319 e criticam os preguiçosos índios que atrapalham o progresso. experimente também, ouvir que a comida da população, CUJO INTRUSO É VOCÊ, é um lixo. Experimente, dentre outras coisas, ouvir que pessoas que foram absurdamente espoliadas, que não conseguem nem dizer bom dia na sua língua materna por vergonha ou por não ter sido ensinado, ou (...), é vigarista e oportunista. Experimente ainda, acompanhar o descaso e a insensibilidade de pessoas experientes no “meio ambiente” ignorar as angústias, a complexidade, os jogos de poder e a história de todos aqueles que viveram-vivem reféns das ações atropeladas do governo federal e dos próprios coronéis de barranco e regatões que insistem em existir. Eles não morreram nos livros. O patrão agora é outro.

o dono do mercadinho que generosamente “faz fiado”.
O kilo do feijão custa 8 reais por aqui, sem os juros do "empréstimo", faça as contas.

Aparentemente, dentre os “diplomados”, pouco se sabe do massacre que acontece com os Guarani no mato grosso, sim minha gente, tente dormir sabendo que famílias inteiras estão morrendo pra viver num pedaço de terra DEBAIXO DO SEU NARIZ. Mas isso é bobagem, a mídia tá pouco se lixando pra esse etnocídio, queremos saber como vive a família do “terrorista_imigrante_do oriente médio” dos EUA, esses sim são malvados.

(...)

Dentre as pérolas que você vai ouvir: “não tem morador, só índio”. Calma, não pule do barco.

Se você consegue ficar calado, por favor, me dê a pílula. Tenho receio de não fazer amigos  e ser convidada a me retirar o quanto antes. Desenvolver máscaras sociais, representar o eu na vida cotidiana E treinar o discurso pra mandar tomar no cú com elegância acadêmica faz parte dessa rica experiência.

No salão de festas do barco, com ar refrigerado, depois de um jantar de muito requinte,  com taças e louças brancas.

23.04.2013 - 22:52

Nenhum comentário:

Postar um comentário

textos relacionados

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...