quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

Macroeconomia e o pequeno príncipe




"O quarto planeta era o do homem de negócios. Este homem estava tão ocupado que nem mesmo levantou a cabeça com a chegada do pequeno príncipe. 
- Bom dia - este lhe disse. - O seu cigarro está apagado.
- Três mais dois dá cinco. Cinco mais sete, doze. Doze mais três, quinze. Bom dia. Quinze mais sete, vinte e dois. Vinte e dois mais seis, vinte e oito. Sem tempo de acender de novo. Vinte e seis mais cinco, trinta e um. Ufa! Isso dá, portanto, quinhentos e um milhões, seiscentos e vinte e dois mil, setecentos e trinta e um. 
- Quinhentos milhões de que?
- O que? Você ainda está aí? Quinhentos e um milhões de... eu não sei mais... tenho tanto trabalho!" 
(SAINT-EXUPÉRY. Le petit prince. 1943)

*
Não se enganem, eu amo o meu trabalho. Ainda que eu não chegue nem no mínimo que poderia fazer. E sinceramente? Eu amo essa potência oculta que me acompanha, uma espécie de eterno devir. Mas o que é o trabalhoEssa crítica fina desse aviador sensível, obstinado e mergulhado no caos, na guerra, emociona. Mas não só por isso. 

*
Encasquetei que deveria entender economia. Algo relacionado com amor, paixão, discurso econômico, ódio, transgressão, rebeldia, antropologia, justiça, ciência. Não sei explicar direito. Quando percebi, estava na Unicamp estudando crises econômicas e um ano depois continuo mais desconfiada do que nunca. Nada, mas nada, me faz acreditar que isso faça sentido. Ninguém, mas ninguém merece trabalhar feito burro de carga às custas de uma minoria medíocre. Mas sigo, sigo firme como uma espiã obcecada, um bicho puto da vida, com sangue nos olhos e revolta, muita revolta. Como pode tanto cinismo?

O fato é que tenho dois dias para finalizar meu trabalho de macroeconomia que não suporto. Eu tinha tudo pra simpatizar com o Kalecki e o Keynes, mas como simpatizar com ações que o contexto por si só é absurdo e abusivoNão consigo entender quem tampa o sol com a peneira. Transformar que é bom ninguém quer. Não vem falar de modelo inglês, geração de emprego e renda, enquanto os trenzinhos da coroa saqueiam o trigo na Índia e classificam isso de "relações econômicas internacionais", me poupe. 

O curioso é que as pessoas são o "problema que precisamos resolver". Daí vem os obstáculos dos direitos trabalhistas, direitos territoriais, a legislação ambiental cada vez mais rígida... no entanto, esse mesmo "problema" é a solução. Não é intrigante?

Uma sociedade com regimes econômicos infelizes, tem o seguinte mote: "os capitalistas ganham o que gastam, enquanto os trabalhadores gastam o que ganham". Essa frase, poderia ser uma crítica, mas não é. É uma afirmação, para muitos, até coerente. É arbitrária, escrita no terreno da manipulação e exploração de pessoas e recursos sem limites. É abusiva, injusta e nem deveria ser cogitada como algo referente a algum tipo de conhecimento científico. E esse vocabulário: "determinação da renda", "demanda efetiva", "renda agregada (Y)", "estímulo de demanda", "estabilização de ciclo econômico" são as artimanhas utilizadas para justificar ações políticas que alteram significativamente a vida de todos que habitam este planeta. Até a linguagem é proposital. Quanto menos entenderem, melhor. "Distribuição de renda, nível de emprego e classes sociais" são uma espécie de resíduo desse glossário macabro que rege a humanidade desde os primórdios da acumulação primitiva. 

A última questão é pensar em investimento privado e o nível de empregabilidade. Quem disse que eu quero ser empregada, quem disse que eu quero ser empregador? Quem disse que isso pode ser cogitado como opção? Desde quando (pergunta honesta) essas categorias passaram a ser referência para qualidade de vida ou bem viver? 

Tenho tanta raiva de estudar o que odeio: economia e direito. Mas fazer o queQue saco!

Ou é isso ou esses palhaços continuam cagando na nossa cabeça. Falei com um professor e enviei um e-mail à casa de caba pra fazer iniciação científica na altura do campeonato. Queria tanto estar falando nesse tom palestrinha universitário num botequinho gostoso com a patota, mas... é isso, amores. Viva o meu blog antiquado que me desopila o fígado. Vintage? nunca saberei. 

Se o fogo move o mundo, sem ar ele sucumbe.
  

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