domingo, 15 de maio de 2016

Colégio Militar de Manaus

Nesta semana que passou, fui ao Colégio Militar de Manaus com um amigo. Não teve nenhum motivo especial, estávamos passando por ali perto e gostaríamos de visitar a instituição onde passamos parte da adolescência. O CMM ainda mantém dois soldados munidos de fuzis na entrada principal do prédio e um deles me advertiu que eu não poderia entrar porque estava de sandália.

Na década de 90, entrávamos no colégio de segunda a sexta as 06:30 da manhã prestando continência aos dois oficiais na entrada principal. Na noite anterior ao colégio, tínhamos que passar nossas roupas, engraxar o sapato diariamente e polir a fivela do cinco com brasso, essa era minha parte favorita. O cabelo tinha de estar impecável: lê-se preso, repuxado inteiro para trás, ou feito coque. Brincos pequenos, unhas em esmalte com cores claras [salvo exceções da musa e professora de português/literatura ex-tenente Nicia] e cabelos sem cores "extravagantes" [rosa ou azul, nem pensar]. 



Ainda na primeira meia hora do dia [06:30-7:00], cantávamos o hino nacional, o hino do colégio, ouvíamos a coronel aluna mais linda da face da terra ~ Luciana Leite ~ proferir algumas palavrinhas, na sequência o tenente Fernando (?) dizia alguns informes da escola ou algumas críticas ao comportamento daqueles jovens cheios de hormônio e adrenalina transgressora. 

entendedores entenderão (Duchamp vive)


Voltando ao episódio de 2016:

- Isto não é sandália, é um calçado confeccionado artesanalmente com couro, adaptado ao clima da região. Com toda a gabolice que me restava, arrematei que era ex-aluna e que portanto, tinha todo direito de entrar com as unhas de fora. Essa parte do "tenho todo direito" eu só pensei, não disse. rs

Apesar de estar falando muito sério diante daquele absurdo (unhas de fora), ele sorriu e nos encaminhou para a tenente Bárbara.

Eu, ainda que quisesse entrar no prédio, bufei de ódio e caminhei para falar com a tal superior, hierarquia é um ponto forte naquele recinto. Decidi seguir a estratégia de falar pouco, baixo e sorrir. Deixei o ex-major aluno conduzir a conversa preliminar enquanto me recuperava da raiva.

Desta maneira, munidos de sorrisos, "nos deixe entrar por favor" e outras narrativas de cunho emocional, a dupla de ex alunos conseguiu entrar satisfeita na Instituição. Dica de ouro: jamais subestimem a linguagem e as emoções (LUTZ; ABU-LUGHOD, 1990). 

- Vocês só podem observar o pátio principal;
- Tudo bem, muito obrigada tenente.

Esta visita despretensiosa, me fez refletir sobre o que ainda existia de Colégio Militar em mim e o que ele significava na minha breve "trajetória" de vida. O primeiro aspecto que me fazia odiar tudo que aquilo representava, era a disciplina. Essa palavrinha, em linhas gerais, designa "obediência aos preceitos e as regras, boa conduta, respeito a um regulamento, boa ordem"... e só aí, já tenho motivos de sobra para reduzi-la a pó. 

A "disciplina" munida de ordem, dentro de uma hierarquia rígida , não nos permite pensar sobre o que estamos fazendo, facilmente nos conduz a alienação... e com essa pequena chave, nos faz cometer as maiores atrocidades já vistas pela humanidade, sem exageros.

A tal da "disciplina", na minha cabeça, sempre esteve associada a instituições como escola, exército, igreja, hospícios, prisões, campos de concentração, morte, alienação... convenhamos, não é pouca coisa.

Acontece que tem algumas semanas, na esperança de mudar alguns hábitos de preguiça absoluta, que tenho pensado no seguinte:

~ um pouco de disciplina não faz mal a ninguém ~

(...)

Após inúmeras reflexões e do bicho papão da alienação, passei a observar os significados da palavra "disciplina" não mais como um fim em si mesmo, mas como instrumento de trabalho, um modo de agir que demonstra constância, método. 

Passei a observar mais o cotidiano dos outros, o meu e colhi alguns depoimentos interessantes:

- Filha, havia um costume do seu avô Constantino, do meu avô João Luis, que eu demorei pra entender... ele queria que fizéssemos as refeições sempre juntos e no mesmo horário. Essa premissa significava não só uma intensão em fortalecer os laços de carinho e afeto entre os irmãos e os pais, mas numa gestão dos recursos da casa e da distribuição eficaz dos alimentos. Você imagina se todos fossemos esquentar (ou preparar) a comida em horários diferentes? aquele fogo que era pra durar um mês, não duraria nem uma semana. E como tua avó saberia se todos comeriam o suficiente?

Pois bem, iniciando o meu projeto de "atleta de fim de semana" com meu primo Ítalo na Vila Olímpica, observei  dois amigos ensaiando uma coreografia do Boi Caprichoso... imaginei quantos ensaios eram necessários para que ambos dominassem a performance. Pra mim estava ótimo, mas para os dois, certeza absoluta que o treino era fundamental para melhorar a cada dia.

Decidi aprender a tocar um instrumento musical [depois escrevo mais sobre isso] e adianto: meus dedos estão em carne viva, não consigo nem lavar o cabelo direito :~

Os colégios militares foram criados a partir de 06 de maio de 1889, por decreto imperial, para abrigar os órfãos da guerra [inescrupulosa] do Paraguai. Há treze colégios espalhados em todo Brasil: Manaus, Belém, Fortaleza, Campo Grande, Belo Horizonte, Recife, Salvador, Juiz de Fora, Brasília, Porto Alegre, Curitiba, Santa Maria e Rio de Janeiro. 

Considerando que todxs nesse país, com rarí$$imas exceções, foram "educados" ou pelo exército ou pela igreja, não podemos considerar que nosso futuro estará determinado pelo nosso passado ad infinitum. O Colégio Militar de Porto Alegre, conhecido como o Colégio dos Presidentes, leva consigo o peso do nosso passado sangrento fundamentado na ordem e no progresso: Getúlio Vargas; Eurico Gaspar; Humberto de Alencar Castelo Branco; Artur da Costa e Silva; Emílio Garrastazu Médici; Ernensto Geisel; João Baptista de Oliveira Figueiredo. 

Um fato interessante, que gostariam de ter subtraído da história desse país [1996], é que Carlos Lamarca foi ex-aluno do CMPA:

"O comandante do Colégio Militar de Porto Alegre, coronel José Eurico de Andrade Neves Pinto [impune até hoje], ordenou a eliminação dos registros da passagem de Carlos Lamarca pela escola, na década de 50. O nome de Lamarca foi tapado na placa da turma de formandos de 1957, exposta no colégio. Foi aplicada uma plaqueta de metal sobre o nome dele [hahahahahahaha, chega a ser ridículo]. As fichas do ex-aluno, que estudou no colégio de 1955 a 1957, foram queimadas."

Carlos Lamarca (1937-1971)


Engraçado que Lamarca tem aparecido na minha vida de maneiras interessantes... fica para um outro texto já escrito e não publicado neste blog. Ainda não conheço o Colégio Militar de Porto Alegre, mas pelas buscas que fiz, Marte e Minerva são xs deusxs que ornam a entrada principal do prédio, sem contar a arquitetura panóptica [Bentham, 1785] que parece tomar de conta, é uma hipótese. 

Aprendizado [simples e sincero] da geração legião urbana. Independente de onde ela [disciplina] esteja , não é nem nunca será prerrogativa das instituições: disciplina é liberdade.




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