segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

santarém e o barco recreio: histórias de amadores

balsa amarela, manaus moderna, rio negro, 2013.

- comprei passagem aérea para alter do chão (Santarém) de R$ 180,00 ida e volta;
- sério?! vou procurar! :D

(...)

não se iluda.

Esse diálogo é um clássico da frustração Manauara. aceite: você nunca irá encontrar tais passagens por tal valor... e se você faz parte do grupo que se acha constantemente violentado com os preços das passagens aéreas e nutre um ódio profundo por esses indivíduos "antenados/iluminados"... saiba que você pode encontrar um lugar ao sol mesmo na lisura e pão durice.

A maior bacia fluvial do planeta encontra-se no quintal da sua casa! Espalhe aos quatro ventos que você NÃO quer ir a Alter do Chão de avião por questões ideológicas... nunca pelo bolso! e que seria bem mais interessante mergulhar nessa viagem nos deliciosos barcos recreios que transportam um zilhão de pessoas e mercadorias diariamente nessas gigantescas estradas de rio. (prometo diminuir os adjetivos megalomaníacos, com o tempo)

*

Ao comprar as passagens de barco, a maravilhosa Vanusa nos avisou que deveríamos chegar cedo, umas 5:00, 6:00 da manhã para pegarmos lugar na área com ar-condicionado no barco, ela acrescentou que ficava no "segundo andar".

Uma das integrantes da equipe nos advertiu: 
"não vai lá! pessoas vomitam, peidam, cagam, fica um cheiro horroroso".

ok, dica anotada.

Acontece que após a ceia de natal, mesmo sem ter organizado sua mochila e sabendo que viajaria no dia seguinte, você decidiu dormir... pensou: "coloco para despertar as 4:00"

4:00, ai tá cedo, 4:30, só mais um pouquinho... vou levar pouca coisa mesmo, 5:00, ah, levo dois vestidos e dois biquínis, tá bom... 6:00, só vou com a roupa do corpo, lá vejo alguma coisa pra usar, só levo minha rede... 6:30, PUTZ, tô atrasada! o barco vai lotar! apesar do atraso, não esqueça os livros pra você pagar de intelectual no barco, puro luxo. 

Em resumo: chegamos as 8:00 no barco e a cena era um mix de arca de noé, titanic e caos. trocentas milhões de pessoas com as suas redes atadas, algumas tinham ido na noite anterior para garantir o "seu lugar".

Ao descartar a "área com ar-condicionado" não só pelos possíveis cheiros, mas principalmente por critérios de: observação da paisagem, ventinho na cara, solzinho gostoso... e obviamente MEDIDAS DE SEGURANÇA! gente, se o barco vira, eu quero ter a chance de pular e nadar pra beira sabe? não faz sentido eu ficar trancafiada num "aquário"diante de tanto custo benefício... sem contar a rotatividade de vírus que circula nesses ambientes "climatizados"! era demais pro seu pobre miolinho que naquele momento já estava fumaçando de ódio e fome. 


Chegando no terceiro andar do barco, apesar do som ensurdecedor de uma música que você não gosta, já fomos nos enxirindo para armar a rede... eis que aparece o "dono do barco"e diz delicadamente: 

- aqui é o bar, só pode subir se o barco lotar.

esqueça as aulas de direito do consumidor que você assistiu, argumentos não adiantaram. descemos. quis chorar quando aquela ideia gostosa de viajar pelos rios balançando na rede, lendo um livro, com ventinho na cara foram tomados pelo caos, tumulto e um emaranhado de redes presos num "aquário"que me impossibilitaram, inclusive, de ter acesso à vista do rio e florestinhas que compõem a paisagem. 

o detalhe é que depois que o "atador oficial"encontra um local, você deve pular na sua rede e ficar por lá até o barco sair, as 10:00.

ah, a notícia ruim é que ele vai atrasar DUAS HORAS, só sairá ao MEIO DIA o bonitão. Enquanto isso o barco vai enchendo de gente... e é aí que entra a finalidade de você estar deitada na sua rede igual uma barata arreganhada. 

Aquilo ali é uma luta "velada"por território, vou explicar:

A organização das redes é marcada por uma informalidade absurda, onde diversas vezes pude ouvir:

- Aqui não! não tem espaço!

Me senti numa área de retomada, igual aos Tupinambá de Olivença, enquanto estratégia para garantir seu direito à terra. experimente sair, vão atar rede em cima da sua cabeça!

O espaço é negociado tanto através do enfrentamento quanto da cordialidade, sendo esta última um tanto rara nesses primeiros momentos. entenda as regras, não é pessoal. 

Segundo o querido Jonatham, cantor de funk gospel que deitou uma rede depois da minha, disse que o "melhor lugar de rede" são as pontas do meio.

"você fica no ventinho e as pessoas não ficam pegando em você, isso é chato".

fique no solzinho amarelo, é perto das janelas e longe dos banheiros.
(tô com uma leve dúvida se esse pseudo fica no plural, favor ignorar, será um saco corrigir)

Note que Natasha ficou no meio, no miolo, sem janela, no "não fique aqui". mas calma. 

Após a negociação de "lugar da rede" você começa a perceber que faz parte de um coletivo no barco, onde pequenos movimentos em longínquas extremidades reverberam em você. corpos apenas de toalha, carinhosamente batizado de "o tarado da toalha" a dois palmos da sua cara, crianças correndo embaixo da sua rede, sorrisos bêbados e maliciosos na sua direção, o calor absurdo, o barco que não sai, a sua mochila que compartilha o mesmo espaço com outras dezenas... esqueça a ideia de "propriedade privada".

A imposição de fé cega no desconhecido que irá dormir ao seu lado sugerem uma intimidade tão brutal que a resposta vinha na desconfiança e a ansiedade cada vez maior naquela espera interminável. 

você mergulhou num mar de gente. literalmente. até asfixia psicológica você sente.

parecia os primeiros sintomas de uma reação alucinógena experimentada recentemente... aproveite e faça o mesmo esquema: feche os olhos, concentre na respiração, se acalme.

substituí a bolacha de motor/defunto pelos meus "biscoitos de biblioteca", comi alguns chocolates.

Bolacha de motor
dormi, acordei, dormi, acordei, dormi, acordei, dormi, acordei. peguei um dos livros que eu trouxe, dormi, acordei, dormi, dormi, acordei, dormi, acordei, comecei a ler. era o "cidade ilhada"do milton hatoum.



"A natureza é o que há de mais misterioso..." pg. 99

parei, pensei... fiquei um tempo quieta ali com aquela frase na cabeça... ouvi alguém me chamando:

- vem ver o encontro das águas! olha que lindo! 

aquile convite não te seduziu de nenhuma forma, amazônia não é só paisagem, o mistério não está na floresta ou nos rios... tá nesse mutueiro de gente e rede aqui, não quero saber de paisagem! 


*

ok, abra uma exceção para o por do sol! hahahahahahah

por favor não resista! saia da rede! rio amazonas, dezembro, 2013.


ADVERTÊNCIAS: será difícil sair da rede. tanto exotismo, frescura e essencialismo as vezes enche o saco... faça um exercício e não se torne um turista babaca. barcos recreios te proporcionam experiências viscerais, incríveis. vou me manter nessa rede-olho-do-furacão até o final da viagem... é impressionante o que se vê daqui e por aqui... arrisco dizer que o ser humano é o que há de mais misterioso... adorei!

Sigo construindo minhas verdades provisórias... dicas de como tomar banho no barco e se manter uma diva do rio Amazonas no próximo texto. 







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