sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

Amazônia: caio do céu, broto do chão

Tem algo bem interessante que eu quero entender com mais profundidade e vou me utilizar disso aqui.

Estou em Manaus e as vezes tenho a impressão que é como seu eu tivesse nascido no Hawaii, na Índia ou na Indonésia, em Bali, sei lá. Algo bem quisto entre turistas de natureza, cultura e espiritualidades no geral. Acontece que aqui estão enterrados meus bisavós, avós e amigos. Aqui crescem meus sobrinhos, envelhecem meus pais. Aqui eu brinquei, caí, namorei, chorei, estudei, senti raiva, briguei. Daqui eu parti e voltei. Não é uma visita ou uma experiência xamânica com todo o exotismo que isso pode conter. 

Eu não cresci na fumaça, esfolando joelho no concreto sujo, bebendo água de rio podre e com o sangue cheio de antibiótico. Eu tomei banho em igarapé, curei garganta inflamada com andiroba, dona Teo rezou na minha cabeça quando eu era criança, cresci no meio da vitória régia, entre pescadores, ribeirinhos, agricultores, comendo peixes gigantes e doces de cupuaçu como se fosse a coisa mais natural do mundo. 

Sinto muito, isso faz muita diferença. Cada um que lute com sua trajetória, essa é a minha. 

A princípio, identifico duas coisas interessantes: minha memória afetiva e essa potência que a Amazônia, de fato, é. Ainda que eu torça o nariz para todo esse exotismo irritante, tem algo que eu não consigo explicar, algo que me escapa, pela falta de estranhamento necessário, talvez. De fato, não sou estranha a esse lugar. Eu me reconheço inteiro nele, sou parte desta geografia. Me parece que não há tantos limites entre memórias, diversidades e sensações. Caio do céu, broto do chão. Sigo especulando.

Desde quando o avião se posicionou e eu avistei o primeiro braço de rio, comecei a chorar de emoção. Mas não era o desenho do rio, não era a floresta, não era o céu... ou era

Esse olhar distanciado deve me servir pra algo. É isso que eu quero descobrir. 

Assim que o avião aterrissou, levantei da poltrona e disse brincando para minhas duas companheiras de viagem:

- Preciso sair daqui agora, preciso correr.

Uma delas me respondeu:

- Não, agora você é civilizada, não é do mato. Não vai sair correndo. 

Respondi chorando e sorrindo, bem surpresa com a minha resposta atrevida, emocionada e sincera:

- Eu não sou civilizada, sou d(o) mato. 

Quando alcancei a porta do avião, saí como uma flecha. Corri, literalmente, numa emoção que nem sei explicar. Agradeci a todos os seres por não ter despachado nada! 

Num primeiro momento, pouco me importou as comidas, a paisagem, o rio, a floresta: o que eu queria estava ali na minha frente, aquele bloco de carnaval me esperando no aeroporto com todos os braços do mundo, meu mundo. 




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