segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Dalcídio Jurandir e a Ilha do Marajó

Neste exato momento, enquanto você digita estas poucas palavras, está rolando o I Encontro de Antropologia Visual da América Amazônica, naquele mini país lindo: Belém do Pará. Fico aqui pensando, o que os organizadores queriam dizer com América Amazônica? rs curti!

Duas amadas incríveis foram selecionadas para participar deste evento com os seguintes temas:

1. Ninfomaníaca: Von Trier falando de Von trier, gênero, Natureza e Cultura.
2. "Fotos para Recordação": construção de imagens sobre a "farinhada".
3. Drácula de Bram Stoker e Segredos de Sangue: figurino, uso de cores, sexo e morte em representações cinematográficas.

Diante desta demanda pra lá de especial, fui gentilmente consultada para indicar possíveis lugares para aproveitar o tal congresso, depois das pesquisadoras participarem de todas as atividades do evento, obviamente.

Muito bem, pare tudo que estiver fazendo e vá a Ilha do Marajó.

Esta obsessão teve início com o querido Dalcídio Jurandir. Você não o conhece? Vou apresentá-lo.

Dalcídio Jurandir, 1909-1979.


Olha a cara de gente boa do meu amigo Dalcídio! grande rapaz paraense!

Deixa eu explicar quem me apresentou este querido:

"Esta monografia foi originalmente escrita em inglês e apresentada ao Departamento de Antropologia do Departamento de Columbia, como tese para doutorado sob o título: The religion of an Amazon Comunity: a study in culture change (escrita por Charles Wagley) (...) A maioria dos estudos e ensaios sôbre a vida religiosa do caboclo da Amazônia é orientada por um interêsse aparentemente folclórico, e neles se dá excessiva atenção a sobrevivência de velhas crenças, aos aspectos exóticos de algumas práticas ou de rituais, e as teorias que procuram explicar as origens dessas manifestações culturais. Exceto em alguns romances de feição original, de que destacamos o excelente "Marajó", de Dalcídio Jurandir..." (Eduardo Galvão escreveu este texto no Prefácio do seu livro: Santos e visagens: um estudo da vida religiosa de Itá, Amazonas  em 1954)

Dando uma checada rápida naquele instrumento de pesquisa vulgar (wikipédia) odiado por todos os professores e pesquisadores com escrúpulos do planeta, percebi que Dalcídio nasceu na vila de Ponta de Pedras, localizada na Ilha do Marajó (PA) em 1909. Depois mudou-se para Vila de Cachoeira onde passou grande parte de sua infância. Em Belém deu continuidade a escola formal em um dos melhores colégios da região. Com 18 anos, viajou para o Rio de Janeiro e passou um perrengue danado por lá. Para sanar esse problema financeiro, nosso jovem romancista resolveu lavar pratos de onde tirou uns trocados, e nas horas vagas revisou textos na revista Fon-Fon (de graça)... o nosso herói foi esperto!

Após três anos nesta empreitada, curtindo umas ondas em Ipanema e visitando os sebos locais, volta pra Belém por cima da carne seca escrevendo para vários jornais e revistas da capital. Militante Comunista, foi preso em 1936... neste período pós-aécio-never, os coxinha pira.

A vida deste "paraense do século" foi incrível... definitivamente, todo mundo que é legal se conhece, um nome nunca está a toa ou de bobeira num livro... acredite. Eles já beberam juntos num boteco sujo qualquer, APOSTO! Consultei os melhores e mais viajados especialistas da região e infelizmente nenhum deles possui o exemplar da belezura premiada que Dalcídio escreveu em 1947: Marajó. 

Depois dessa introdução nerd, mas super apropriada, sigo na obsessão.

Uma outra peça do quebra cabeça que nos levou a esta Ilha, foi um prêmio do Itaú Cultural ao Grupo de Tradições Marajoara Cruzeirinho, com a música "Barquinho à vela", ouvido no lugar mais inóspito para começar uma aventura à Ilha de Dalcídio. 

Ilha de Marajó, Soure, 2014.


"Barquinho à vela" fisgou o ultimo Bandeirante perdido naquela selva. 

Por estar bastante tempo separado do seu bando, uns quinhentos anos aproximadamente, este último descendente de Borba Gato perdeu a memória, mas leu alguns escritos do seu amigo Vladimir em meio ao seu sono profundo. Ao despertar, decidiu não colonizar, matar ou escravizar índios, decidiu que mesmo sem lembrança alguma de seus antigos comparsas, seria todo coração.


"nos demais,
todo mundo sabe,
o coração tem moradia certa,
fica bem aqui no meio do peito,
mas comigo a anatomia ficou louca,
sou todo coração." 
(Vladimir Maiakóvisk)

O tal desmemoriado resolveu carregar um caderninho embaixo do braço, inspirado no modo de trabalho dos primeiros viajantes e antropólogos pós-malinowski, tal como aprendeu na sala de aula com Marta Amoroso. Disse que ao voltar, contaria uma história que muitos não acreditariam, nem mesmo ele: "serão histórias não imaginadas". Acrescentou com a voz empostada: "Jamais dormirei novamente"!!! nos fazendo lembrar da película famosa: E o vento levou.

Munido deste equipamento simples e eficaz: lápis, caderno e alguns remedinhos pro estômago, embarcou na primeira aeronave e foi visitar o queridão Dalcídio, digo, foi em busca do Cruzeirinho de Soure para recuperar os anos sonolentos de outrora.

De uma coisa ele tinha certeza: boa música faria parte dos planos.

Grupo Cruzeirinho no Cultura Ponto da Ponto.


2 comentários:

  1. Natasha e sua narrativa envolvente!!! Quero ir a Marajó.............

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    Respostas
    1. Estimada Aninha, vamos torcer para que Borba Gato sobreviva à ilha de algodoal e chegue ao Marajó inteiro. Beijos

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